Após 516 anos de duração, a islamização no Brasil toma uma nova forma: um significativo número de brasileiros tem procurado o Islamismo, devido à grande exposição que a crença muçulmana tem ganho no contexto do século 21, e uma parte deles tem adotado esta fé para suas vidas. Este fenômeno recente, chamado de “islamismo de conversão”, é objeto de um estudo publicado pelo mestre em ciências da religião César Lima, intitulado Reversão ao Islã no Consumo de Bens Simbólicos, publicado nos Cadernos CERU, periódico da FFLCH-USP.
Os muçulmanos já fazem parte da sociedade brasileira por um período surpreendentemente longo: os primeiros vieram com os portugueses já em 1500, em sua maioria marinheiros árabes que acompanhavam a expedição de Cabral. Durante os séculos 18 e 19, vieram milhares de escravos da África subsaariana, que praticavam o islamismo, e foram peças-chave de episódios importantes da nossa história, como a Revolta dos Malês. Depois do fim da escravidão e a independência do país, a migração continuou de outra forma: principalmente no período da Primeira Guerra Mundial, uma grande quantidade de sírios e libaneses saíram de suas terras e fundaram uma numerosa comunidade islâmica no Brasil.
De acordo com a FAMBRAS,cerca de 1,5 milhões de seguidores vivem no país (Créditos: Cesar I. Martins/ Flickr)
“A partir do 11 de setembro de 2001, a Indústria Cultural passou a associar o Islã ao terrorismo. O enredo da indústria cinematográfica, que nas décadas de 1980 e 1990 focaram a I e II Guerras, mudou para o terrorismo. Tomou-se a religião pelo grupo fundamentalista, parte transformou-se no todo”, explica Rocha Lima.
“Meu atual campo de estudo a respeito do Islã é, como a comunidade islâmica brasileira tem lidado com a imagem social que lhe fora atribuída, e de que forma reconstroem a sua imagem. É surpreendente que se a Indústria Cultural associa o Islã à violência, por outro lado, numa forma de se tentar equilibrar este capital simbólico, estas comunidades sempre associam o Islã à paz”
Produção de bens simbólicos no Islã
O estudo se baseia na teoria de Pierre Bourdain, sociólogo francês, de “economia de bens simbólicos", que consiste resumidamente na idéia que, assim como produtos, também compramos, vendemos e trocamos conceitos e símbolos culturais. “No Islã os sheiks são os principais produtores de bens simbólicos. As abluções, os jejuns, a viagem para Meca, a entrega do zakat (contribuição islâmica), constituem-se na prática de uma crença que está alicerçada no alcorão. Esta prática é composta de rica simbologia, cheia de significados”.
Apesar do preconceito e ignorância por parte dos ultraconservadores, a fé muçulmana vem convertendo muito adeptos advindos do cristianismo (Créditos: Rodrigo Ghedin/ Flickr)
“No momento em que alguém de religião diferente passa a consumir os símbolos religiosos islâmicos, isto lhe confere um novo estilo de vida. E o consumo, trocas, exclusão e reconstrução de símbolos religiosos constituem-se no caminho para a sua reversão. [...] Num exemplo bem notório, o revertido do cristianismo para o Islã, deixa de enxergar Jesus como Deus e passa a vê-lo como um ‘profeta’. [...] O curioso é que muitas vezes o revertido acaba tornando-se um muçulmano muito mais criterioso do que o ben-árabe (nascido muçulmano), criando uma espécie de um islã à brasileira”.
A Federação de Associações Muçulmanos no Brasil (FAMBRAS) afirma que existem entre 800 mil e 1,5 milhão de muçulmanos no Brasil. Mesmo em grande quantidade, os seguidores da fé islâmica ainda sofrem criticismo e preconceito dentro do nosso país, devido principalmente aos conhecidos episódios de terrorismo praticados pelas correntes extremistas em Paris, Bruxelas e Nova York. O momento vivido no contexto mundial é delicado e tem motivado discursos preconceituosos por conservadores no Ocidente, e países europeus como Dinamarca, Hungria e Eslováquia tem publicamente se oposto à entrada de refugiados muçulmanos em seus territórios;
Governo Dinamarquês compra espaço em jornal libanês para advertir das sanções que refugiados terão no país (Créditos: NBC News)
“O conteúdo da minha tese tem a finalidade de buscar alguma relação causal entre o crescimento do Islã na década de 2000-2010 no Brasil e a desconstrução da sua imagem pela Indústria Cultural a partir do 11 de setembro de 2001. Alguns especialistas têm afirmado que o crescimento ocorreu pela reação da comunidade islâmica brasileira em afirmar que o Islã é uma religião de paz”, detalha o pesquisador.
Aqueles que desejam saber mais sobre o islamismo diretamente devem visitar as numerosas mesquitas e organizações muçulmanas espalhadas pelo país, principalmente em São Paulo, que já possui mais de 30 centros islâmicos no estado inteiro. Também existem o Centro de Divulgação do Islã para a América Latina – CDIAL; a Federação das Associações Muçulmanas no Brasil – FAMBRAS e a União Nacional Islâmica, que possuem seus portais na internet:
http://www.uniaoislamica.com.br/
O artigo completo pode ser acessado no Portal de Revistas da USP.