ISSN 2359-5191

18/04/2016 - Ano: 49 - Edição Nº: 41 - Educação - Faculdade de Educação
Fadas e dragões da literatura atraem jovens para a ciência
Projeto de universidades estaduais utiliza livros de ficção para explorar olhar científico dos alunos
Alunos da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP) preparam atividades sobre artes e ciência para adolescentes de escola pública. Crédito: L.U.C.I.A.

Palavras difíceis e método “decoreba” podem afastar os alunos do prazer de aprender e fazer ciência, mesmo que os processos químicos, biológicos e físicos descritos nos livros estejam presentes no dia-a-dia dos estudantes. Esta foi uma das observações que motivou a dissertação de mestrado “Fadas, robôs, deuses e dragões: A literatura juvenil no ensino de Ciências”, defendida na Faculdade de Educação da USP pela professora de Ciências da Natureza Rosana Marques de Souza, em março deste ano.

Buscando aproximar a disciplina de Ciências da realidade do aluno, a pesquisadora analisou as possibilidades de provocar reflexões científicas com o uso de quatro best-sellers de ficção infanto-juvenis empregados em atividades lúdicas do programa de ensino L.U.C.I.A. (Leituras Universais e Criatividade na Investigação da Arte-Ciência), que é parte do projeto de extensão A.L.I.C.E. (Arte e Lúdico na Investigação em Ciências na Escola), promovido pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) em parceria com pesquisadores da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP (EACH-USP).

Percy Jackson e os Olimpianos, Artemis Fowl, Como Treinar o Seu Dragão e Lucky Starr, antiga série do clássico escritor de ficção científica Isaac Asimov, foram as obras selecionadas por Rosana para desenvolver as competências científicas junto aos alunos. “Esses livros revelam uma outra dimensão da ciência, porque nem todos os alunos percebem que ela não está só no laboratório e na sala de aula”, comenta Rosana.

Extensão universitária

Os projetos de extensão visam retornar para a população o conhecimento desenvolvido nas universidades. No caso do A.L.I.C.E., as atividades extracurriculares são oferecidas por universitários aos alunos dos oitavos e nonos anos da EMEF Arquiteto Luís Saia, na Zona Leste de São Paulo, ao mesmo tempo em que os professores foram desafiados a implementar seus cronogramas com a cultura que os adolescentes consomem.

O A.L.I.C.E., criado em 2010, alude a enigmática obra Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, e faz parte do grupo de estudos Interfaces, que coordena também o projeto Joaninha, destinado ao público infantil. Organizado em seis frentes temáticas, o A.L.I.C.E. prestigia mulheres das artes e da ciência se utilizando de grandes nomes para inspirar a composição do seu programa de educação. A cantora de rock nacional Rita Lee foi homenageada com um programa que aplica música no ensino da ciência; a engenheira aeroespacial carioca da NASA, Jacqueline Lyra, inspirou a seção de robótica; e a escritora infanto-juvenil brasileira, Lucia Machado de Almeida, foi o estímulo da frente temática que Rosana analisou. Estrangeiras também foram contempladas pelo projeto. A atriz britânica Emma Watson, conhecida por interpretar a bruxa Hermione da saga Harry Potter, tem se destacado por seu ativismo feminista e ganhou uma frente que discute a participação das mulheres nas mídias. Maria Antonieta de las Nieves, intérprete da Chiquinha do programa mexicano Chaves, inspirou a frente sobre jogos e brincadeiras e a primatologista norte-americana, Dian Fossey, foi homenageada com um programa de estudos sobre animais e a natureza. Durante as atividades do projeto, as frentes se intercalam e se mesclam para ensinar os alunos.

Frentes temáticas que compõem o projeto Alice aplicando a ciência a partir da cultura dos alunos adolescentes. Fonte: A.L.I.C.E.

Leitura aplicada

A impossibilidade de estudar a natureza de seres folclóricos não descarta o uso deles na discussão sobre a preocupante condição do meio ambiente, pelo contrário, torna o debate ainda mais didático. De acordo com a avaliação feita pelo Ministério do Meio Ambiente, em 2014, por exemplo, o Brasil tem 1.172 espécies em perigo de extinção e uma extinta da natureza. Para introduzir os estudantes a assuntos delicados como esse, os monitores do L.U.C.I.A. trabalham primeiro com a criatividade e bagagem do aluno a partir da leitura de obras que eles tenham afinidade. “A postura do aluno é descobrir e construir seu próprio conhecimento, enquanto isso, o professor deve ser um mediador, não aquele que impõe e despeja um monte de conceitos, mas aquele que leva o aluno a descobrir e a ser um cientista”, analisa Rosana, que sugeriu o uso do livro Artemis Fowl para exemplificar a extinção e adaptação das espécies provocadas pela intervenção humana. As fadas da obra, que perderam suas asas por fugirem constantemente dos humanos, não conseguem reverter o quadro letal da natureza nem mesmo com magia.

Literatura de ficção e fantasia estimula curiosidade e senso científico de alunos. Imagem: Reprodução das capas dos livros.

A participação dos alunos

Observando a participação dos adolescentes, Rosana notou que há um prejulgamento sobre a disciplina que inibe os estudantes. A dificuldade de ver ciência no dia-a-dia (nos processos de fabricação e transformação dos produtos que eles usam), a imagem do cientista como uma figura masculina e insana e a noção de que feitos científicos são raros - logo, dificílimos e fora do alcance deles - são as principais barreiras. A pesquisadora comparou os alunos ao protagonista da série Como Treinar o Seu Dragão, Soluço, um jovem viking que estuda dragões e formas de conviver em paz com eles, sem caçá-los. “O Soluço é um cientista, mas ele não sabe que está fazendo ciência, e é isso que às vezes  acontece com uma criança ou adolescente que está fazendo uma investigação científica, mas não consegue identificar isso, porque, para ele, a ciência está no livro didático e na escola. Esse é o estereótipo da ciência”, identificou. “Muitos se surpreenderam com o assunto que estava por trás da história, pois eles não estão acostumados a identificar as ideologias e os valores que estão no enredo da obra”, completou Rosana.

Formação crítica

Para atrair os jovens, o L.U.C.I.A. deu bastante espaço para que os adolescentes expressassem suas próprias ideias e opiniões. Assim, os monitores conseguiram manter os alunos no programa. Enquanto o projeto de extensão priorizava a ação do professor, sem incluir o estudante na produção do conhecimento, houve muita evasão, pois outros cursos extracurriculares proporcionavam maior protagonismo das crianças, como o teatro, a dança e o esporte. Por isso, Rosana diagnosticou a necessidade de incrementar o currículo com repertório familiar aos estudantes, tornando o trabalho de aprendizado um esforço tanto do professor quanto do aluno e visando a construção crítica do discente.

Além disso, inicialmente o projeto não mesclava as suas frentes ao longo do curso, cada uma tinha seu programa de ensino independente da outra e os estudantes se inscreviam na que mais interessasse a eles. O que foi observado é que a maior parte do público do programa de robótica, o L.Y.R.A., por exemplo, era composta por garotos, enquanto que a frente sobre estudos da mulher nas mídias, E.M.M.A., era formada majoritariamente por meninas. Para uniformizar o público e promover a igualdade de gênero, agora o curso é oferecido com todos os grupos embutidos no cronograma, levando todos os alunos a terem contato com todas as temáticas.

Com isso, os monitores já identificaram que os adolescentes começaram a se posicionar como cientistas, questionando inclusive o arquétipo inicial de que o profissional seja um homem louco e incorporaram nesta imagem traços mais diversos, como a possibilidade de uma mulher ser cientista também.

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