O tema da loucura e a inclusão social plena de crianças com sofrimento psíquico ainda encerram um desafio pra sociedade e pra saúde pública. Explorando tais questões, a pesquisadora Patricia Delfini, orientada pelo Dr. Alberto O. Advincula Reis, se propôs a demonstrar os impactos do método de atenção psicossocial no cuidado de crianças com problemas de saúde mental.
Os resultados, argumentados em tese de doutorado na Faculdade de Saúde Pública da USP, revelam que esse modelo pode proporcionar uma reconstrução mais sadia do viver da criança com transtornos mentais, em detrimento dos tratamentos restritivos convencionais.
A pesquisa se embrenhou na experiência de centros de atenção psicossociais infanto-juvenis: núcleos que se alinham à reforma psiquiátrica, numa perspectiva antimanicomial e se amparam numa ampla rede de apoio baseada na integração entre profissionais, recursos, serviços e setores para além da saúde. Essa rede, então, opera pelo alcance de um cuidado mais inclusivo de crianças que sofrem de algum sofrimento psíquico intenso.
“O tratamento em saúde mental precisa envolver acolhimento, vínculo, escuta e disponibilidade do profissional para ouvir a criança e a família. Esses elementos são muito potentes terapeuticamente na atenção psicossocial, tão ou mais potentes quanto a medicação. Dentro desse paradigma, a pessoa continua tocando a sua vida da forma mais plena possível”, explica a pesquisadora.
Enfrentamentos
A despeito disso, além do confronto com uma cultura social excludente, a atenção psicossocial se depara ainda com outros focos de resistência: a tensão com o modelo instituído, os apelos da indústria farmacêutica e a lógica do imediatismo, a qual torna tratamentos restritivos, com intervenção de medicamentos e de resultados pretensamente rápidos, muito atraentes.
“A atenção básica ainda enfrenta os ditames da lógica anterior, uma lógica biomédica, que tende a entender a saúde mental como não integrante da saúde em geral, e está muito impregnada pela ideia do especialismo. É isso o que queremos quebrar. A criança com dificuldades não precisa de tanta especificidade, assim. O ideal é que ela possa conviver junto com as outras.”
A pesquisadora reflete que a tendência à medicalização e à patologização excessiva, não raro, silencia os conflitos da criança e não considera o suficiente o contexto no qual ela está inserida. É fundamental levar em conta que seu sofrimento severo muitas vezes se vincula a traumas estruturais e vulnerabilidades sociais e econômicas.
Novos e velhos modelos
Então, após desenvolver pesquisa qualitativa e intervenção com os profissionais, as famílias e as crianças, o estudo destacou a importância de uma participação integrada desses atores. Além disso, aponta ainda para o valor da intersetorialidade entre a própria saúde pública e outros serviços, como a escola e a assistência social.
“Não se trata apenas de abraçar as crianças, mas também as famílias. E é isso o que a atenção psicossocial faz: cria um vínculo com os familiares e escuta de forma qualificada suas queixas e dúvidas, sem querer dar uma resposta categórica ou enquadrar num diagnóstico apressado. Se não houver essa integração, o alcance do tratamento vai ser muito pequeno.”
A superação de velhos paradigmas e a consolidação de uma nova rede de cuidado mental necessita, fundamentalmente, de suporte político e financeiro. Para a pesquisadora, ainda há uma escassez de centros de atenção, profissionais de saúde mental e investimento. Em se tratando duma mudança do imaginário social sobre a loucura, toda a população precisa estar envolvida no processo.