ISSN 2359-5191

25/04/2016 - Ano: 49 - Edição Nº: 44 - Saúde - Escola de Enfermagem
Pesquisa indica falhas da rede privada na atenção primária à saúde
Falta de vínculo médico-paciente prejudica atendimento e impede continuidade no tratamento
Para a OMS, a atenção primária deveria ser a porta de entrada para o sistema de saúde. / fonte: divulgação

É comum ouvir falar de falhas e deficiências no SUS, mas também a rede privada de saúde enfrenta problemas estruturais. Segundo estudo da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EE), há problemas na atenção primária à saúde (APS) das instituições particulares. A pesquisa indicou que quase 60% dos casos de internação de idosos em certo hospital eram causados por condições que poderiam ser evitadas e tratadas com os devidos acompanhamentos e prevenção.

Apesar dos resultados chamarem atenção para um problema maior, o objetivo inicial do ensaio era explicar as causas de internações de pessoas com idade avançada em uma instituição privada. Na primeira fase do estudo, idosos internados foram entrevistados e avaliados quanto às suas capacidades de realizar atividades de vida diária e suas vulnerabilidades. Entre eles, mais de 40% não apresentavam fragilidades, 23,3% apresentavam fragilidades leves, e 11,7% moderadas. Além disso, quase 60% tiveram internações por condições sensíveis à atenção primária (Icsap), ou seja, casos que possivelmente poderiam ser evitados com continuidade dos cuidados de prevenção. A idade também pode ser um fator para internação, já que quase 50% dos entrevistados tinha mais de 80 anos, mas os resultados apontam que “apesar de ser preciso considerar que tratam-se de idosos com idade avançada, o que os deixa mais suscetíveis a doenças e internações, existe a necessidade de se fazer intervenções na atenção primária”, lembrou a responsável pela pesquisa, Célia Maria Francisco.

Em outra fase, alguns dos pacientes foram entrevistados após a alta, em suas casas. Nesse segundo contato, os idosos se mostraram muito mais dispostos e abertos para interação, de acordo com a pesquisadora. Por estarem de volta às suas rotinas e em seus lares, outras facetas de suas vidas, que não apareciam dentro do hospital nem em consultórios médicos, puderam ser avaliadas do ponto de vista da saúde. Assim, variáveis envolvendo suas vidas sociais e familiares puderam ser identificadas como benéficas ou não para seus tratamentos de saúde.

Dessa forma, o estudo mostrou que existem falhas na APS da rede privada, pois o sistema não contribui para o seguimento dos tratamentos médicos dos idosos fora do hospital e das clínicas de saúde, comprometendo a continuidade do cuidado. Isso acaba causando hospitalização de idosos que não apresentam fragilidades importantes.

Porta de entrada

A atenção primária à saúde são os cuidados que visam à prevenção, ao controle e à continuidade de tratamento de doenças. Essa área deveria ser, segundo a Organização Mundial da Saúde, a porta de entrada para o sistema de saúde e, sendo assim, seu objetivo central.

Para Célia Maria Francisco, pesquisadora da EE, a APS é garantida por dois pilares: o primeiro é a identificação das necessidades específicas dos pacientes e o segundo é acompanhamento pela equipe de saúde. Ambos exigem vínculo de confiança entre a população e os profissionais, além de atenção integral.

No SUS, a atenção primária é contemplada pela Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), que envolve o atendimento médico nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) e a estratégia da Saúde da Família. Ela tem como princípios a universalidade, a acessibilidade, o vínculo, a continuidade do cuidado, a integralidade da atenção, a responsabilização, a humanização, a equidade e a participação social. Dessa forma, ela unifica e garante o acesso contínuo da população à saúde.

As UBS têm por finalidade garantir o acesso à saúde, trazendo para perto da população os profissionais. Elas são instaladas por região, sendo próximas ao seu público de atendimento e nelas são realizadas consultas de rotina e orientações básicas de saúde, adequando-se a cada bairro ou vila, de forma a manter a continuidade e especificidade da APS.

A Saúde da Família é uma estratégia de 1994 que pretende acompanhar de perto a população, prezando pelo vínculo médico e integralidade do serviço da saúde. Ela envolve consultas frequentes de cada grupo a uma equipe fixa e específica de profissionais (clínico geral, enfermeiro, dentista) e é realizada regionalmente através das UBS. Desde que ela foi aplicada indicadores de saúde do Índice de Desenvolvimento Humano de todo o Brasil melhoraram, segundo pesquisas do Ministério da Saúde.



Falta de continuidade

Já na rede privada, a APS é realizada por meio de clínicas diversas, cada uma com sua administração. Os planos de saúde contemplam muitos consultórios médicos que podem realizar esses serviços e isso, que em um primeiro momento poderia parecer positivo, faz com que não haja integralidade e continuidade do tratamento primário. “A atenção primária, quando se trata do sistema público é bem definida, mas no sistema privado ela vem do consultório ou clínica médica, que não garantem acompanhamento contínuo”, constatou a pesquisadora.

Por um lado, ter a possibilidade de escolha de atendimento permite busca pelo profissional que mais responde às necessidades individuais dos pacientes. Por outro, a quantidade de opções dificultam as consultas frequentes e constantes. “Não se observa vínculo entre médico e paciente no sistema particular, e sem esse vínculo é difícil manter uma continuidade do atendimento”.

Visto que muitas das internações observadas na pesquisa foram causadas por condições sensíveis à atenção primária e o acompanhamento dos idosos em suas residências mostrou novas vulnerabilidades desconhecidas pelo serviço privado, fica clara a necessidade de articular e dialogar os níveis de atenção à saúde, envolvendo o paciente, família e comunidade.

A pesquisadora Célia Maria Francisco concluiu que “apesar dos sistemas de saúde estarem fazendo um movimento na direção de uma política de prevenção e controle das doenças, em especial em idosos, seu resultado é incipiente.” Para ela, são necessários “maiores esforços para que a rede privada invista na prevenção e controle dos agravos nesta população, o que resultará em maior qualidade de vida para os usuários e menor gasto com internações desnecessárias”.
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