Há 13 anos entrou em vigor a Lei 10.639/03, que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana nas redes de ensino públicas e privadas do Brasil. Para auxiliar nesta difusão de conhecimento, a pesquisadora Mara Rodrigues Chaves construiu um catálogo didático-pedagógico reunindo dados sobre sítios arqueológicos e culturas africanas. Resultado de sua dissertação de mestrado no Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE-USP), a pesquisadora tomou como base o estudo de elementos arqueológicos e o questionamento da relação entre memória, legado e patrimônio.
Para a realização da pesquisa, de caráter bibliográfico, Mara abordou sítios encontrados na Nigéria, no Congo, e no Zimbábue. Cada localidade foi escolhida por razões específicas: a Nigéria por sua herança escultórica e tradição, o Congo por suas questões civilizatórias e o Zimbábue por sua arquitetura monumental. Ao ser indagada sobre a importância do estudo, a pesquisadora replica: “O que me interessa é trazer a cultura africana na formação da nossa cultura. Porque o africano não contribuiu, ele formou”.
Mara explica que a cultura africana não remanesce apenas em artefatos arqueológicos. “Existe a herança escultórica, os artefatos. E há também a tradição oral, que ocorre entre professores e aprendizes”. É possível partir desse ponto para entender a relação entre legado e patrimônio. “A princípio parece a mesma coisa”, relata a pesquisadora, “mas patrimônio seria o bem material; e o legado, a tradição. O legado vai pelo caminho da herança cultural, enquanto que o patrimônio é o objeto”. Para que haja uma melhor compreensão do conhecimento africano no campo da museologia, é necessário que os dois agentes caminhem juntos. “Dependendo da curadoria, você pode descontextualizar um artefato, que se torna estático”, alerta.
Museu junto à sociedade
Quem também discutiu essa estagnação de objetos em vitrines foi Ekpo Eyo, arqueólogo e museólogo nigeriano. Ao se indagar se os museus poderiam ser úteis a várias camadas sociais, o africano sugeriu a criação de museus construídos juntos à sociedade. Mara conta: “Na Nigéria é muito fácil esbarrar com objetos arqueológicos. Então muitas vezes a população levava esses artefatos para museus. Eles eram feitos junto com a sociedade, e não para ela. Dessa forma ela podia se reconhecer”.
O resultado da pesquisa de Mara Rodrigues foi um catálogo didático-pedagógico, escrito por meio de narrativas, com o intuito de tornar a leitura mais dinâmica. “Ele tem a ideia de ser mais um material que ajude os professores a trabalhar em sala de aula as pesquisas arqueológicas e herança africana”, explica. Um dos casos relatados foi o da descoberta da Cabeça de Nok, considerada um dos grandes achados arqueológicos africanos. Tal artefato foi encontrado por uma pessoa e, por mais de um ano, serviu como espantalho em uma plantação de inhame. “Entra numa questão mais lúdica. Ao mesmo tempo em que estou passando uma informação, a leitura se torna mais prazerosa”, conclui a pesquisadora.
Exemplo de Cabeça de Nok / Foto: B. Fagg