Aproximadamente 2 milhões de casos de insuficiência cardíaca são diagnosticados por ano no Brasil. Para piorar, a maioria das pessoas afetadas por essa doença não conseguem viver de maneira adequada devido aos sintomas que apresentam. Segundo pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EE), mais de 60% desses pacientes têm qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) moderada ou ruim.
Para a Organização Mundial da Saúde, qualidade de vida é “a percepção do indivíduo em relação à sua posição na vida de acordo com o contexto cultural e os sistemas de valores nos quais vive e em relação a seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações”. Ou seja, a QVRS trata das assimilações pessoais aos efeitos físicos, mentais e sociais que uma doença causa sobre a rotina de cada um, podendo influenciar na satisfação do indivíduo sobre suas circunstâncias de vida. Nesse sentido, é de extrema importância para o tratamento de saúde que a qualidade de vida dos pacientes seja boa, o que não é observado nos casos de insuficiência cardíaca (IC).
O estudo da EE indicou diversos fatores associados à baixa QVRS dos indivíduos entrevistados. Alguns deles são independentes da doença, como idade avançada, baixa escolaridade e dificuldades econômicas. Outros são relacionados imediatamente a sintomas da insuficiência cardíaca, como distúrbios do sono, fadiga, dificuldades para realizar atividades físicas, múltiplas internações, uso de muitos medicamentos e depressão resultante de todos esses problemas. Há ainda outra variável que pode influir muito na qualidade de vida dos pacientes: o baixo autocuidado.
Tratamento depende do autocuidado
O tratamento da insuficiência cardíaca possui diversas especificidades e exige dedicação dos pacientes no processo. Por se tratar de uma doença crônica, sem cura e com alta taxa de mortalidade, é preciso ter muito cuidado e atenção médica no seu trato. No geral, as orientações médicas para esses casos envolvem a ingestão diária de medicamentos controladores de pressão arterial e diuréticos, além de dieta restrita de sal e gorduras, e rotina de exercícios aeróbicos.
No entanto, para que esse tratamento seja seguido, os pacientes precisam cuidar de si mesmos e de sua doença. Para as pesquisadoras da EE Ana Paula da Conceição e Diná Monteiro da Cruz, “o autocuidado na insuficiência cardíaca se expressa pela adesão ao tratamento e aos comportamentos saudáveis, pela capacidade de detectar e interpretar as sensações físicas decorrentes da IC, e pelas reações da pessoa frente aos sinais e sintomas da IC.” Elas também afirmam que “o autocuidado é elemento importante para manter os sinais e sintomas da IC sob controle o que, consequentemente, favorece a qualidade de vida.”
Contudo, o estudo apontou que a maioria dos pacientes não apresentava autocuidado positivo. Apenas 6,4% apresentavam manutenção (adesão ao tratamento) adequada, e só 10,2% mostrou-se satisfatório o manejo (reconhecimento precoce de sintomas da doença, atitudes para minimizar esses sintomas e busca por auxílio profissional).
Esse resultado desfavorável foi atribuído ao desconhecimento dos pacientes sobre a necessidade e os procedimentos de autocuidado. A pesquisadora Ana Paula da Conceição lembra que “são pacientes com doenças crônicas, com pouca informação sobre sua condição de saúde e também pouca orientação sobre suas atitudes para o gerenciamento do autocuidado e sobre medidas que possam auxiliar o enfrentamento da sua doença.” Além disso, fatores como déficit cognitivo, baixo nível educacional, pouco tempo de experiência com a doença, sintomas limitantes e gravidade da doença também foram levados em conta.
Necessidade de intervenções
Aumentar o autocuidado pode significar melhora significativa na qualidade de vida dos pacientes com insuficiência cardíaca e sua saúde. Assim, se o problema é a falta de informação sobre o assunto, intervenções nesse sentido precisam ser implementadas. Segundo Diná Monteiro da Cruz, “a pesquisa mostrou que o manejo atual está sendo ineficaz para atingir níveis adequados de autocuidado e QVRS, mostrando a necessidade de mudanças nas estratégias que vêm sendo utilizadas.”
Além do autocuidado, outros problemas como os distúrbios do sono, que atingiram mais de 70% dos entrevistados, podem ser melhorados com intervenções educativas não farmacológicas. Mudanças de hábitos antes de dormir, como incluir atividades relaxantes na rotina, não realizar atividades muito estressantes ou agitadas à noite e não jantar muito tarde se mostraram efetivas para melhorar o sono em outros estudos.
Segundo as pesquisadoras da EE, é preciso que os pacientes “desenvolvam atitudes, conhecimentos e habilidades capazes de lhes conferir certo grau de autonomia para perceber, interpretar e adotar medidas para aliviar os sintomas”. Nesse sentido, elas estão realizando uma revisão sistemática de pesquisas para estudar quais seriam as melhores intervenções para melhorar a QVRS de indivíduos com insuficiência cardíaca.