Uma tese de doutorado na área de nutrição, defendida em março desse ano na Faculdade de Saúde Pública da USP, propõe que bactérias intestinais podem mediar os efeitos da alimentação sobre a ocorrência de doenças cardiometabólicas.
A pesquisa, dirigida pela nutricionista Ana Carolina Franco de Moraes, explorou a microbiota intestinal de trezentos indivíduos com hábitos alimentares onívoros, ovolactovegetarianos e vegetarianos estritos. Dados colhidos por um estudo mais amplo, do qual a própria tese fez parte, também foram analisados. A partir disso, a pesquisadora levantou hipóteses, até então, pouco estudadas no Brasil.
“O que se sabia era que a redução das chances de ocorrência de doenças cardiometabólicas, como diabetes, colesterol alto e obesidade, estava diretamente associada à alimentação saudável. O que a gente percebeu é que esse efeito, pelo menos parte, é mediado pelas bactérias presentes na microbiota intestinal.”
O conteúdo inovador da pesquisa, portanto, está justamente em sua abordagem, que correlacionou a microbiota intestinal com os hábitos alimentares de uma população multifacetada, como a brasileira. As primeiras publicações sobre o tema, segundo a pesquisadora, aprofundavam predominantemente a questão da obesidade.
“Anteriormente, existia um preceito de que obesos possuíam mais bactérias do filo Firmicutes e menos do filo Bacteriodetes quando comparados aos indivíduos magros. Mas, em nosso estudo, nós não encontramos isso. Então, partimos para analisar se essa diferença era verificada de acordo com os hábitos alimentares e encontramos.”
Onívoros x vegetarianos
Foi possível perceber que os onívoros têm mais abundância de três bactérias pertencentes ao filo Proteobacteria. Essas bactérias carregam, na superfície da membrana, uma endotoxina nociva aos seres humanos em grandes quantidades por favorecer a resistência à insulina.
Há ainda uma maior proporção de bactérias da classe Bacilli, as quais já foram associadas com alteração no metabolismo da glicose. Por outro lado, em relação aos vegetarianos, houve uma predominância das bactérias Roseburia e Faecalibacterium, que são produtoras de um ácido graxo de cadeia curta responsável por desempenhar muitas funções importantes para o organismo.
“O perfil de risco cardiometabólico de vegetarianos se revela melhor que o dos onívoros. Mas já existia muita literatura científica para isso. O que trouxemos de novidade é que, em analisar a microbiota, notamos que ela também é diferente.” A pesquisadora explica que esse fenômeno se deve ao fato da alimentação estimular determinadas bactérias, as quais se proliferam mais ou menos de acordo com os substratos ofertados.
Limites e perspectivas futuras
Ainda assim, a confirmação da interface entre a alimentação, a microbiota e o perfil de risco cardiometabólico exigiria um estudo com horizonte temporal mais largo. A pesquisadora sublinha que, apesar dos fortes apontamentos, não é possível fazer afirmações taxativas nesse momento. “Trata-se de uma pesquisa transversal em que todos os dados foram coletados em um único ponto do tempo, então, não há como garantir uma relação de causa-efeito entre eles. Mas todas as hipóteses levantadas reafirmam a importância de hábitos alimentares mais saudáveis".