ISSN 2359-5191

18/05/2016 - Ano: 49 - Edição Nº: 60 - Sociedade - Faculdade de Saúde Pública
Machismo e cultura da violência permeiam a vida de policiais militares
Pesquisa relata efeitos de tal realidade, das pressões cotidianas e do treinamento profissional na saúde mental desses profissionais
Os processos de treinamento da PM podem gerar mais sofrimento psíquico do que a própria ação às ruas. / Fonte: Liz Dórea (autoral)

Em tempos de repressão flagrante a manifestações sociais de rua, o clamor pela desmilitarização da polícia nunca esteve tão à tona no debate político. O atual paradigma de segurança pública, porém, e a formação ostensiva que sustenta esse modelo dentro das corporações também afetam profundamente os próprios agentes policiais. Nessa fronteira, a pesquisadora Samantha Turte-Cavadinha se debruça, analisando as pressões do cotidiano, as exigências da jornada de trabalho e a vida desses profissionais.

Especializada em Saúde do Trabalhador, Samantha adentrou um batalhão militar do Distrito Federal para investigar e compreender como tais fatores ressoam na saúde mental de policiais militares e se articulam com vivências violentas e questões de gênero. Expostos em tese de doutorado na Faculdade de Saúde Pública da USP, os resultados discutem que a construção da identidade do policial, a rigidez do treinamento e os procedimentos de formação podem gerar mais sofrimento psíquico do que o próprio enfrentamento da violência urbana às ruas.

“Pretendi pensar nos policiais como trabalhadores. Refleti sobre a função que exercem na sociedade, nas pressões a que são submetidos e em como o quê vivem afeta a saúde deles e a saúde das pessoas ao redor, sejam elas da família ou dos contextos de trabalho em que eles estão inseridos".

A investigação e as conclusões refletidas

Para desenvolver sua tese, a pesquisadora entrevistou sete mulheres e dezessete homens agentes da Polícia Militar em Brasília. Samantha foi também observadora participante e explorou, ainda, publicações, blogs e reportagens sobre o tema. De caráter qualitativo, o propósito da pesquisa não foi determinar se a amostra era representativa ou não, mas compreender como questões de gênero, poder e subjetividade despontavam na vivência desses indivíduos.

A entrevista considerou o processo de se tornar policial, a jornada de treinamento, o cotidiano de trabalho e a ocorrência de possíveis afastamentos. Questões sobre tempo de folga, satisfação profissional, relações interpessoais e repercussões da profissão na vida íntima também foram erguidas. Por último, impactos sobre a estabilidade emocional, como tentativas de suicídio, compunham o roteiro norteador das perguntas.

O estudo concluiu, então, que não há investimento suficiente na promoção de saúde mental no trabalho do policial militar. O que existe, devido à escassez de recursos, é empregado mais no tratamento do que em ações preventivas. Muitas vezes ainda, as iniciativas são conduzidas inadequadamente, porque retiram o tempo de folga do trabalhador e comprometem sua reparação física e emocional. Samantha revela, porém, que muitos não buscam ajuda por receio de que isso venha a prejudicá-los.

“Alguns entrevistados tinham se afastado do trabalho por sofrimento psíquico. Queixas sobre alcoolismo, transtornos de ansiedade e depressão também apareceram, mas se identificado com algum problema, o policial é afastado, tem o porte de arma retirado e perde a oportunidade de serviços, por exemplo, que são fonte extra de renda".

Recorte de gênero e machismo institucional

Para além das cobranças de um ambiente altamente militarizado, a pesquisadora tentou perceber a dinâmica das relações de gênero dentro da instituição e também nas ruas, no contato com as pessoas civis. “Como é ser homem e como é ser mulher policial?”, ela refletiu.

“O machismo permeia as construções de identidade na instituição e o gênero é reforçado a todo momento para os homens e neutralizado para as mulheres. As mulheres têm que agir como homens. Eles, por sua vez, têm sempre que demonstrar fortaleza, coragem e entorpecer as emoções. Entende-se que não há espaço para elas, e expressá-las atrapalharia o exercício da função".

Para ela, por isso, é preciso pensar em quais são as possibilidades de envolver os policiais em ações de atenção à saúde mental e de fortalecimento de vínculos. “Se não houver a promoção de uma cultura de paz e se não concebermos uma instituição mais integrada e cidadã, todas as condições que pressionam os policiais a serem violentos e a adoecerem vão se perpetuar".

Leia também...
Nesta Edição
Destaques

Educação básica é alvo de livros organizados por pesquisadores uspianos

Pesquisa testa software que melhora habilidades fundamentais para o bom desempenho escolar

Pesquisa avalia influência de supermercados na compra de alimentos ultraprocessados

Edições Anteriores
Agência Universitária de Notícias

ISSN 2359-5191

Universidade de São Paulo
Vice-Reitor: Vahan Agopyan
Escola de Comunicações e Artes
Departamento de Jornalismo e Editoração
Chefe Suplente: Ciro Marcondes Filho
Professores Responsáveis
Repórteres
Alunos do curso de Jornalismo da ECA/USP
Editora de Conteúdo
Web Designer
Contato: aun@usp.br