O dióxido de carbono (CO2 na sua fórmula química) é um dos gases responsáveis pelo efeito estufa – processo físico que mantém o calor na atmosfera terrestre – e também é um dos principais compostos emitidos pelos processos industriais e pelos automóveis. Além disso, com as tendências de acúmulo tóxico desse gás no ambiente presentes hoje no mundo -, é preciso, de alguma maneira, retirar esse gás da atmosfera ou reduzir suas emissões. Com isso em vista, o professor Pedro Vidinha, do Instituto de Química da USP, iniciou o desenvolvimento de um projeto que foca na biorrefinaria, ou seja, a conversão de biomassa em combustíveis.
O projeto visa meios de mudar o cenário da emissão do dióxido de carbono, ao mesmo tempo em que o transforma em algo útil, tornando o processo interessante para a indústria e a economia. “Retirá-lo da atmosfera, por exemplo, é algo que até pode ser feito, mas em termos de valor, para a nossa economia, não vale a pena. Isso porque seria gasto dinheiro para resgatar uma coisa que não será mais utilizada, o que torna o processo não atrativo”, afirma o pesquisador. A alternativa, então, seria pegar esse CO2 que é emitido em processos industriais e transformá-lo em algo útil. Por possuir carbono, o gás pode entrar em algumas reações que envolvem carboxilação de alguns produtos químicos, ou seja, a adição de uma molécula de CO2. Também pode se transformar num produto de valor acrescentado como, por exemplo, o metanol.
A ideia central é pegar o CO2 e, por um processo simples e ecológico - no sentido de não demandar nem grandes consumos de energia, nem emissão de outros poluentes na atmosfera -, tentar convertê-lo em metanol através de um processo biocatalítico (que utiliza enzimas para realizar reações químicas). As enzimas reagem com CO2 e introduzem determinados grupos químicos, permitindo que o dióxido de carbono vá, etapa por etapa, se transformando em metanol. “É como acontece com a glicose: quando nós comemos, ela vai sendo partida em nossas células gerando vários compostos químicos que vão entrar em outras vias metabólicas para serem utilizados como blocos de construção”, exemplifica Vidinha. Metaforicamente, o conceito é como se fosse uma via metabólica, mas voltada para a valorização do CO2.
Economicamente viável
As enzimas utilizadas nessas reações necessitam de co-fatores (moléculas que são necessárias para o funcionamento de certas substâncias) para funcionarem, mas eles são muito caros. Dessa forma, outro processo em estudo na pesquisa é o de regenerar esse co-fator através do hidrogênio (H2), já que essa molécula perderá um átomo de hidrogénio durante sua utilização, o que torna necessário colocar essa mesma substância de volta. “E vamos fazer isso por meio de outro gás, nesse caso, o próprio hidrogênio. A ideia é utilizá-lo para regenerar esse co-fator que a enzima utiliza, para depois reagir com CO2 e transformá-lo em algo de valor”, comenta o pesquisador.
Todo o processo é feito de maneira simples, pois tem que ser pensado em um longo prazo para a implementação em larga escala. A pesquisa, como afirma Vidinha, pode se desenvolver mais, ao aumentar a complexidade do produto que chegará ao mercado. A exemplo, tem-se o processo da produção de biodiesel - já que se tem uma corrente de dióxido de carbono e metanol -, uma das reações em que o metanol trabalha muito bem. Segundo o site do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel o Brasil é um dos maiores produtores mundiais desse combustível.
Finalidades práticas do processo
Pretende-se que esse CO2 seja, inicialmente, levado a condições acima do seu ponto crítico Nestas condições o CO2 continua a difundir como um gás mas possui uma densidade semelhante a um líquido. Este facto permite com que o CO2 consiga dissolver diversas moléculas químicas. Dessa forma, é possível dissolver, por exemplo, um óleo, e o dióxido de carbono pode transportá-lo juntamente como o metanol que é gerado e a partir de ambos produzir o biodiesel. Isso permite simplificar o processo de produção de biodiesel. “Imagine que entramos com um óleo e com o metanol num reator, onde está uma enzima (lipase) que o transforma em biodiesel e glicerol dado que conseguimos separar, muito mais facilmente, o biodiesel do glicerol e obter um glicerol mais puro.”
É viável também, fazer uma biorrefinaria ecológica para o glicerol, em que ele é transformado com vários passos enzimáticos e com outros catalisadores, em uma via metabólica. Ao colocar glicerol, dióxido de carbono e hidrogênio em uma via catalítica hibrida (enzimas mais catalisadores metálicos), consegue-se formar ácido succínico (precursor de poliésteres), ácido fumárico (utilizado como flavorizante e remédio no tratamento de algumas doenças), ácido lático (utilizado na produção de alimentos, na produção de hidratantes para a pele e na produção de plásticos). Estes são chamados de blocos químicos de construção, uma vez que são moléculas de interesse das industrias farmacológicas, cosméticas, da área de polímeros e de combustíveis. “Esse processo é viável porque o mercado desses blocos químicos de construção anda perto de US$ 1 bilhão por ano (dados de 2016)”, aponta Vidinha.
Em suma, a cadeia de produção em questão utiliza o CO2 e a biomassa para produzir, um biocombustível. Por fim, a pesquisa conseguiu demostrar que é possível transformar o resíduo gerado (glicerol) em valor, ou seja, moléculas químicas que são blocos de construção.