ISSN 2359-5191

22/06/2016 - Ano: 49 - Edição Nº: 81 - Sociedade - Faculdade de Saúde Pública
Políticas públicas de saúde na Cracolândia esbarram na repressão policial
Pesquisa discute a impossibilidade de que medidas de tratamento dos usuários viciados caminhem juntas com a constante intervenção da PM na região
Historicamente, a Cracolândia viveu o Estado na forma da repressão, tanto pelo desalojamento quanto pela ação policial /Fonte: Fabio Braga (Folha)

Instável e conflituosa, a região da Cracolândia, situada no bairro da Luz, no centro de São Paulo, já sofreu profundas intervenções do Estado desde o seu surgimento, sobretudo por força das operações institucionais de combate ao consumo de drogas. Com os olhos nessa conjuntura, a pesquisadora Letícia Menezes se propôs a discutir as políticas públicas implementadas atualmente nesse território, e observou que os limites entre a saúde e a repressão estão cada vez mais emaranhados.  

O tema das drogas desponta na trajetória profissional de Letícia desde seus tempos de faculdade. Militante da luta antimanicomial e psicóloga de formação, a pesquisadora buscou investigar, então, como os dois programas vigentes na região, um da gestão municipal e outro da estadual, operam fora dos discursos oficiais. “Historicamente, a Cracolândia viveu o Estado na forma da repressão, seja pelo desalojamento ou pela dispersão e violência policial. Com a implementação desses dois programas, quis atestar se as propostas, que tanto enfatizam o cuidado em saúde, iam se sobrepor ou acabar com as ações de repressão".

Características dos programas

Embora ambos os projetos pautem a atenção à saúde, as duas políticas públicas analisadas possuem elementos muito distintos entre si. Tal como explica a pesquisadora, a principal ferramenta do programa estadual é a internação. O municipal, por seu lado, persegue o princípio da redução de danos aos usuários. “O tratamento por internação possui algumas características marcadas: a abstinência total, o isolamento por seis meses e a obediência às regras das comunidades terapêuticas, para onde os usuários são encaminhados”, explica. “A redução de danos, por sua vez, não prevê a interrupção total do uso da droga. O programa entende que é possível reduzir os impactos do consumo através da oferta de outros suportes à vida da pessoa, como moradia, alimentação e postos de trabalho".

A coordenadora do estudo concluiu, contudo, que não há acesso para todos usuários a esses tratamentos e a repressão tampouco recuou pela implementação deles. Então, por um lado, as alternativas de tratamento aumentaram, mas as de vigilância repressiva, também. “O meu estudo debate a impossibilidade de implantar medidas de tratamento ao mesmo tempo da repressão. Quis demostrar que é muito difícil que as duas coisas caminhem juntas, sobretudo em se tratando duma população de rua, usuária de crack e socialmente estigmatizada".

Métodos de pesquisa

Para atingir seus objetivos, Letícia e seu grupo de pesquisa exploraram três fontes fundamentais. A primeira foi o histórico de todas as pesquisas já realizados no território. Ao mesmo tempo, a pesquisa se apoiou num estudo de mídia, acumulando notícias e representações sobre a Cracolândia, tanto em mídias impressas e televisivas como na teledramaturgia. Por último, a pesquisadora se lançou a campo pelo período de um ano e meio e, através da observação participante, tentou se incorporar à rotina dos usuários e ao ambiente da Cracolândia.

Finalmente, quando questionada sobre a efetividade dos programas em foco, a pesquisadora é convicta em sua análise. “A nível individual, sim”, explica. “Mas esses programas se propõem a prestar um serviço de impacto coletivo. O fluxo, a venda e o uso de drogas na região continuam intocados. Então, numa perspectiva estrutural, a Cracolândia continua a mesma de dois anos atrás”. Para ela, é necessário romper radicalmente com algumas práticas, como a da vigília incessante e ostensiva da polícia. Ou, de outra maneira, os programas serão meramente “cartão-postal eleitoral para os governos".

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