ISSN 2359-5191

17/06/2016 - Ano: 49 - Edição Nº: 78 - Educação - Instituto de Biociências
Educação ambiental precisa ser crítica e interdisciplinar
Universidades e empresas propõem diferentes formas de ensino sustentável de acordo com seus valores
Imagem: Bahia Econômica

Passado um ano e meio do que a Unesco propôs ser a Década Internacional da Educação para o Desenvolvimento Sustentável, a discussão da questão socioambiental ainda se revela insuficiente para o que deveria ser um assunto regular e interdisciplinar no ensino e que exige uma discussão que repense os modos de produção e consumo mundiais.

A iniciativa da Unesco tinha como objetivo estimular a integração e a prática de conhecimentos e valores sustentáveis nas escolas para garantir uma educação mais consciente e de melhor qualidade.

Com o aumento de pesquisas e iniciativas como esta, a educação ambiental (EA) passou a ser tratada no ensino regular e apresentada como parte da agenda de empresas que usam o discurso da sustentabilidade para aumentar sua produção e imagem de parceiras da sociedade e da natureza, principalmente instituições que estão diretamente ligadas ao uso da terra, como as do agronegócio.

Segundo uma pesquisa do Governo do México, o projeto não teve a aprovação da maioria dos educadores da América Latina e do Caribe, que considerou a nomenclatura “Educação para o Desenvolvimento Sustentável” confusa. O problema apontado foi a falta de apoio institucional e político, visto que a educação ambiental já considera aspectos sociais e econômicos em sua discussão.

Para analisar a importância e a atenção dada à educação ambiental, a AUN conversou com a professora Rosana Louro Ferreira Silva, do Departamento de Zoologia do Instituto de Biociências da USP, especializada em uma perspectiva de educação ambiental crítica.

“O senso de pertencimento e o olhar mais atento para as questões ambientais é o que a educação ambiental tenta trabalhar”, afirma Rosana. A professora estuda a EA sob uma ótica de ensino transformadora, que provoca o engajamento coletivo a partir da noção de que estamos inseridos num contexto profundamente relacionado com a natureza, o gerenciamento do espaço, a história da humanidade e das relações de poder.

Dessa forma, não se constrói uma educação ambiental somente a partir de hábitos pontuais, como jogar lixo no lixo e economizar recursos quando escassos, mas de uma nova visão sobre as atitudes e os valores da sociedade.

 

A educação ambiental e o ensino

No Brasil, o Plano Nacional da Educação Ambiental garante que o assunto seja pautado em todos os níveis da educação e de forma interdisciplinar, mas, no Plano Nacional de Educação, a implantação desse tema consta apenas no ensino fundamental e médio.

Para Rosana, os principais desafios a serem superados para que a educação ambiental seja abordada com maior frequência e propriedade é a falta de discussão na formação de professores e as más condições de trabalho na escola.

Segundo uma pesquisa sobre ensino e aprendizagem realizada em 2013 pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o professor brasileiro trabalha seis horas semanais a mais em sala de aula e possui mais alunos em relação a outros países que participaram da pesquisa.

Além disso, as ferramentas de ensino devem ser diversificadas. Em sua tese de doutorado, Rosana analisou filmes da TV Escola e verificou que a maior parte das informações vêm de pesquisadores que apresentam uma visão pragmática sobre a questão ambiental, o que afasta a reflexão sobre a realidade da população.

“As pessoas acham que informação é o suficiente para despertar engajamento, mas não é. Isto é um processo, é uma discussão que perpassa as relações de consumo e de como estabelecemos um modelo de desenvolvimento”, afirma a professora.

Rosana orienta estudos sobre diferentes formas de abordagem e aplicação do assunto em diversas disciplinas. Um dos exemplos é a análise do Circuito Tela Verde, um projeto do Ministério da Cultura em parceria com o Ministério do Meio Ambiente que instiga a investigação e o olhar crítico a partir da participação popular.

Segundo a professora, essas ferramentas podem ser trabalhadas em conjunto com o material teórico disponível nas escolas.

 

Educação de quem e para quem

Outros problemas diagnosticados pela professora são a pouca quantidade de instituições de ensino superior que oferecem pesquisa aos futuros profissionais e a distância entre o conhecimento acadêmico e a população.

“Vejo como um dos caminhos [para a conscientização] essa parceria entre escola e Universidade, apesar dela atingir um número pequeno de escolas frente a rede de educação estadual”, analisa Rosana, que está para iniciar um projeto de conscientização ambiental com professores de escolas públicas.

“A função da universidade é formar pessoas e produzir conhecimento, só que nós queremos que seja uma produção de conhecimento relevante para a sociedade e, por isso, nós também trabalhamos com essas parcerias, para que o conhecimento não fique fechado nos muros da academia”.

Com alcance muito maior do que a Universidade, empresas apostam em projetos de educação ambiental para escolas, mas especialistas no assunto rejeitam a ideia de que um projeto pronto possa se aplicar de forma eficaz a cada um dos distintos contextos socioambientais que existem.

Fundada por lideranças do setor, a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), por exemplo, costuma se enveredar pela educação ambiental através da promoção de atividades para estudantes e professores de todos os níveis de ensino. Segundo uma tese defendida em 2014 na Universidade Federal do Rio de Janeiro, estas ações têm o propósito de reforçar a ideia de que o setor formou uma elite intelectual para servir à sociedade, mesclando seus interesses particulares com as necessidades da população.

“A educação ambiental precisa dessa capilaridade, não é só a Universidade que consegue fazer [uma transformação], mas também os espaços de educação não-formal, o poder público e até as empresas”, afirma. “Acontece que a empresa quer fazer um projeto dela e a questão ambiental precisa discutir a necessidade de consumo. É difícil uma empresa querer que isso seja discutido”, ressalva Rosana.

A professora apoia e confia na adoção de práticas sustentáveis por empresas, mas é cética quanto aos projetos de educação. “O processo educativo não pode ser feito baseado no senso comum”, afirma. “É necessário ter profissionais capacitados e em parceria com as escolas”.

O próprio fato de empresas investirem mais na reciclagem do que em outras formas de alcançar a sustentabilidade reforça que a ideia de que a produção deve se manter intacta.

“Os 3 ‘R’s foram estabelecidos pela gestão ambiental para serem feitos nessa ordem: primeiro, eu tento reduzir ao máximo o que eu preciso consumir, depois, aquilo que eu consumo, eu tento reutilizar e, por último, eu reciclo”, conclui.

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