ISSN 2359-5191

08/07/2016 - Ano: 49 - Edição Nº: 93 - Sociedade - Escola de Comunicações e Artes
Censura ainda acontece no período democrático, mas nega essa nomenclatura
Pesquisa analisa como a Justiça define a censura e como ela ocorre nos dias atuais
O corte de cenas para adequar um filme a uma classificação indicativa sem o conhecimento do diretor ou do público pode ser considerado uma censura (Imagem: Imirante)

A Constituição Federal de 1988 veda qualquer tipo de censura, seja ela de natureza política, ideológica ou artística. Apesar disso, ainda há mecanismos que controlam a liberdade de expressão após a redemocratização brasileira. Este foi o objeto de estudos da tese de doutorado de Ivan Paganotti pela Escola de Comunicações e Artes da USP (ECA/USP).

O objetivo da tese foi compreender como a Justiça brasileira define o conceito de censura e quais eram os argumentos usados por ela para defender sua posição. O período analisado foi pós-abertura democrática, devido à existência de poucos estudos tratando de censura depois da redemocratização se comparado aos períodos anteriores.

Para isso, foram pesquisados os processos judiciais que tratavam de liberdade de expressão no Supremo Tribunal Federal (STF), órgão composto por um extenso colegiado de 11 juízes. Devido a isso, os debates que se desenvolviam eram interessantes e traziam diversos pontos de vista acerca do tema.

A análise dos processos possibilitou entender como a justiça lê a Constituição no que se refere à censura. “O STF é importante porque faz o controle constitucional, isto é, ele é o único órgão da Justiça brasileira que tem como função definir se certas normas ou decisões podem estar indo contra a Constituição”, explica Paganotti.


O STF é o órgão que compõe o Poder Judiciário e é responsável por guardar a Constituição (Imagem: Divulgação/STF)
O STF é o órgão que compõe o Poder Judiciário e é responsável por guardar a Constituição (Imagem: Divulgação/STF)

Observou-se que nos casos em que havia um indivíduo e um órgão público, o STF tentou controlar o poder do Estado, limitando sua capacidade de proibir e influenciar. Contudo, nos casos que envolviam dois indivíduos, o órgão se dividiu e apresentou uma posição mais conservadora, que buscava preservar mais o direito à imagem, à honra ou à privacidade do que o direito à liberdade de expressão.

O que mudou com a Constituição de 1988

Durante o regime militar e em períodos anteriores, havia no Brasil órgãos oficiais de censura. Com a abertura democrática e a criação da Constituição de 1988, surgiu a necessidade de se deixar o passado autoritário para trás e criar um novo contexto. A censura passou a ser inconstitucional e, portanto, era preciso que ela fosse explicitamente evitada.

Antes do regime democrático, a censura no Brasil era algo institucionalizado por órgãos censores. Na imagem, o certificado da Divisão de Censura de Diversões Públicas autorizando a exibição da novela “O Bem Amado” (Imagem: UOL/Arquivo Nacional)

Antes do regime democrático, a censura no Brasil era institucionalizada por órgãos censores. Na imagem, o certificado da Divisão de Censura de Diversões Públicas autorizando a exibição da novela “O Bem Amado” (Imagem: UOL/Arquivo Nacional)


Com isso, criou-se um tabu em torno da palavra censura e essa proibição não se define como censura nos dias de hoje. “Qualquer tipo de controle que, no passado, não tinha vergonha de se assumir como censura agora se utiliza de uma terminologia diferente”, explica Paganotti. “Em muitos dos casos que analisei, além de explicar essa nova terminologia, era necessário frisar que o novo termo não era censura”.

Segundo a definição usada na pesquisa, censura é uma barreira imposta entre a esfera privada e a esfera pública. “Se quiser filmar algo, mas não tenho uma câmera, não posso classificar esse impedimento como censura. Ainda posso publicar essas informações se quiser”, explica Paganotti. “Censura é quando há um processo impedindo que, de qualquer forma, o público possa acessar esse tipo de conteúdo”.

Um exemplo que ilustra a censura nos dias de hoje é a classificação indicativa dos filmes. Quando uma obra chega ao Brasil, muitas vezes ela é adaptada para se adequar à classificação brasileira. “Para atingir um público mais jovem, certas cenas serão cortadas e nem saberemos que essas informações foram excluídas da obra original”.

Neste caso, a censura não é feita diretamente pelo Estado, já que os cortes não são realizados por um censor, mas é executada sob sua influência. Além disso, muitas vezes o diretor, que é o proprietário do filme por ter criado a ideia de como ele seria, não é consultado sobre os cortes que serão feitos.

Ter acesso a esse tipo de informação é algo muito difícil. “Como pesquisador, consegui alguns casos que mostravam os cortes dos filmes, mas não há nenhuma forma transparente e direta de saber se o filme que você irá assistir é exatamente como é no original ou se passou por cortes”, conta.

Debate ainda é pouco acessível

Os processos que discutem a liberdade de expressão estão disponíveis na internet e encontrá-los não é tarefa complexa. Mesmo assim, a forma como são apresentados os argumentos e a extensão do debate — um documento pode chegar a ter 600 páginas — dificultam o acesso e o entendimento da população sobre o que está sendo discutido.

O STF busca compensar esse problema de mediação com textos curtos que explicam os argumentos principais e a conclusão de alguns dos casos mais importantes. Além disso, os meios de comunicação geralmente têm uma cobertura muito grande sobre os casos de proibição. Ainda assim, o debate sobre liberdade de expressão ainda é restrito.

Paganotti avalia que a cobertura feita pela mídia nem sempre traz os argumentos de todos os lados. “Isso dificulta para o público entender como que esses direitos podem ser colocados e quais os limites entre eles”, explica. “Esses debates são públicos. Muitas das informações censuradas, inclusive, são publicadas dentro desses processos, mas nem todo mundo sabe disso”.


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