ISSN 2359-5191

07/07/2016 - Ano: 49 - Edição Nº: 92 - Sociedade - Faculdade de Saúde Pública
Conselhos tutelares reproduzem preconceitos de gênero e sexualidade
Além da ausência de formação dos conselheiros nesses temas, estrutura atual do órgão também favorece a distorção
Para a pesquisadora, a estrutura vigente dos conselhos tutelares favorece essa distorção./ Fonte: portal em foco

O tabu da sexualidade, além de se projetar nos imaginários, também está largamente difundido nas instituições, órgãos públicos e aparelhos judiciais. Esse reconhecimento, embora polêmico, é parte das conclusões da pesquisadora da Secretária Estadual de Saúde de São Paulo, Regina Figueredo, sobre a conduta dos conselheiros tutelares em relação à questões sexuais de adolescentes menores de 18 anos.

Há 30 anos estudiosa de sexualidade e gênero, a pesquisadora investigou os 44 conselhos do município de São Paulo. Motivada pela defasagem na formação de profissionais como pedagogos, agentes de saúde e assistentes sociais nos temas de sua especialização, Regina apurou os efeitos desse despreparo no encaminhamento de casos em que os adolescentes demonstravam desejo pela autonomia sexual.   

“Como os conselheiros não têm formação ou essa formação é muito precária, eles acabam reproduzindo modelos de moralidade baseados no preconceito de gênero e na repressão à livre sexualidade, o que a sociedade já faz há milênios. Então, esses órgãos, que deveriam defender o adolescente, em se tratando de sexualidade, mais os oprimem.”

Metodologia e investigação

Para constatar se esse olhar era recorrente nos 80 conselheiros tutelares entrevistados, a pesquisa lançou mão de um questionário de autopreenchimento. As questões, baseadas em três narrativas hipotéticas, permitiriam uma reflexão sobre as práticas sexuais de meninas, de meninos homossexuais e sobre a maternidade precoce.

De acordo com a pesquisadora, a metodologia pretendeu expor a grande diversidade de pontos de vista sobre a lei, a violência e a própria adolescência. “O que se percebeu é que há uma compreensão confusa e impregnada pelo senso-comum dos conceitos de certo e errado e uma dificuldade em respeitar os direitos sexuais e reprodutivos dos adolescentes. As diferentes interpretações sobre o estatuto da criança e do adolescente também atrapalhou a plena garantia desses direitos”, revela.

As consequências

O problema é ainda mais alarmante em se tratando das minorias de gênero e sexualidade. Segundo Regina, ao encaminharem as histórias de meninas e meninos gays, os conselheiros adotam noções moralizantes, que reforçam a desigualdade de gênero e patologizam a homossexualidade. Em última análise, as repercussões ecoam nas famílias, orientadas a reproduzir construções sociais profundamente inibidoras.

“Moralmente, o desejo feminino não é aceito porque revela a prática sexual de um sujeito que não tem permissão à ela, que é a mulher. A sociedade não abriga a autonomia sexual nem da mulher nem do gay. Homens podem desejar ter filhos, sexo, afeto. Mas gays e mulheres não podem desejar. E, por isso, a manifestação de suas sexualidades são reprimidas ou culpabilizadas.”   

Reflexões possíveis

Para a pesquisadora, a estrutura vigente dos conselhos tutelares favorece essa distorção. Os órgãos, em tese, autônomos e soberanos, muitas vezes funcionam, por questões de logística, dentro das sedes das prefeituras regionais. Lá, os conselheiros, que não são funcionários públicos, acabam exercendo funções que deveriam ser supridas por departamentos executivos, mas que lhes são delegadas ainda que escapem de suas alçadas de atuação.

“Os conselhos tutelares deveriam apenas encaminhar os casos de profanação dos direitos de crianças e adolescentes. Mas, atualmente, eles executam funções absurdas, como tratar da evasão escolar, que deveria ser cuidada por um órgão executivo da Secretária de Educação. Isso gera, em si, uma grande problemática: dentro do equipamento do Estado, conselheiros sofrem pressões do secretariado e servem de mão-de-obra barata.”

Contornar uma questão de ordem tanto objetiva quanto subjetiva, portanto, exige intervenções multifacetadas. Para a pesquisadora, os conselheiros empossados precisam receber formação em sexualidade, direitos sexuais e reprodutivos e diversidade sexual. Por fim, em termos estruturais, ela aponta que os conselhos tutelares devem ser desvinculados do aparelho do Estado.


Leia também...
Nesta Edição
Destaques

Educação básica é alvo de livros organizados por pesquisadores uspianos

Pesquisa testa software que melhora habilidades fundamentais para o bom desempenho escolar

Pesquisa avalia influência de supermercados na compra de alimentos ultraprocessados

Edições Anteriores
Agência Universitária de Notícias

ISSN 2359-5191

Universidade de São Paulo
Vice-Reitor: Vahan Agopyan
Escola de Comunicações e Artes
Departamento de Jornalismo e Editoração
Chefe Suplente: Ciro Marcondes Filho
Professores Responsáveis
Repórteres
Alunos do curso de Jornalismo da ECA/USP
Editora de Conteúdo
Web Designer
Contato: aun@usp.br