ISSN 2359-5191

18/08/2016 - Ano: 49 - Edição Nº: 105 - Economia e Política - Faculdade de Direito
Agenda regulatória dos BRICS pode alterar a arquitetura financeira global
Pesquisa de doutorado estuda as recentes iniciativas multilaterais entre os países do bloco de cooperação política
Os líderes dos países BRICS em Fortaleza, na Cúpula de 2014, onde o ACR e o NBD foram criados / Fonte: Marcelo Camargo/ Agência Brasil

As três últimas cúpulas dos chefes de Estado e de Governo dos BRICS levaram a integração entre os países a outro patamar. A proposição (em 2013, na quinta cúpula), a criação (em 2014, na sexta) e a ratificação (em 2015, na sétima) de duas novas instituições multilaterais entre as nações que compõem o bloco, visando “alterar o sistema financeiro e monetário internacional”, demonstrou que o grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul quer fortalecer a sua própria “agenda regulatória”.

Quem diz isso é o doutorando da Faculdade de Direito da USP Jonnas Marques Esmeraldo de Vasconcelos. Em sua tese, que está em fase de finalização da qualificação, o pesquisador analisa esse conjunto de iniciativas dos BRICS, com especial atenção para o Novo Banco de Desenvolvimento e para o Arranjo Contingente de Reservas, “organismos internacionais congêneres ao Banco Mundial (BM) e ao Fundo Monetário Internacional (FMI), respectivamente”.

Contestação a Bretton Woods

Tanto o BM quanto o FMI tiveram sua origem nos Acordos de Bretton Woods, de 1944. As conferências, que envolveram 44 nações aliadas em Nova Hampshire, nos Estados Unidos, fundamentaram as “estruturas do sistema financeiro e monetário internacional”, colocando o dólar como moeda de reserva internacional. A partir de então, os EUA se consolidaram como potência hegemônica.

Com o declínio da “era de ouro” do capitalismo entre o final da década de 60 e o começo dos anos 70, o pesquisador explica que “a arquitetura financeira e monetária erigida em Bretton Woods foi progressivamente alterada em prol dos interesses dos grandes conglomerados financeiros articulados com as políticas das potências dominantes, notadamente os EUA e a Inglaterra, conformando a agenda conhecida por ‘neoliberalismo’.”

Para Vasconcelos, a agenda regulatória dos BRICS se insere “em um quadro de crescente contestação” às estruturas erguidas por Bretton Woods. A crise econômica de 2008, que afetou primeiramente as potências capitalistas tradicionais, também fortaleceu as críticas ao sistema financeiro e monetário internacional, com grande participação dos BRICS. Segundo o pesquisador, “trata-se de pressões para reformular o sistema, de modo a refletir a nova realidade geopolítica e os interesses dos países em desenvolvimento (...) [com base nas] contradições das práticas neoliberais, da instabilidade financeira sistêmica que os países em desenvolvimento se encontram nesse novo quadro regulatório [da agenda “neoliberal”]”.

ACR

Nesse contexto de contestação das estruturas erguidas em Bretton Woods, os BRICS criaram o Arranjo Contingente de Reservas. Segundo Vasconcelos, o mecanismo servirá ― quando plenamente implementado ― como “fundo mútuo de emergência”, protegendo os países do bloco de eventuais crises no balanço de pagamentos e “diminuindo a volatilidade” das nações frente ao capital especulativo.

O ACR, que já foi promulgado no Brasil, contará com montante inicial de 100 bilhões de dólares. A China, maior economia do bloco, contribuirá com 41 bilhões de dólares, enquanto, Brasil, Índia e Rússia entrarão com o montante de 18 bilhões cada um. A África do Sul, menor PIB entre os BRICS, contribuirá com outros 5 bilhões de dólares.

NBD
Outra instituição criada no âmbito das últimas cúpulas dos BRICS, também sob o contexto de contestação de Bretton Woods, é o Novo Banco de Desenvolvimento. Segundo Vasconcelos, o organismo, também conhecido como Banco dos BRICS, “foi criado para ser uma instituição multilateral de alcance global, voltada ao atendimento das necessidades de financiamento a projetos dos países emergentes e/ou em desenvolvimento”.

O banco, que estabeleceu sua sede em Xangai, na China, já está em funcionamento. Em abril deste ano, o NBD aprovou seus primeiros empréstimos, todos na área de energia renovável. O montante dessa primeira grande ação da instituição é de 811 milhões de dólares e beneficiará projetos das próprias nações, com exceção da Rússia. O capital inicial do banco é de 50 bilhões de dólares ― 10 bilhões de cada nação.

Impacto da agenda regulatória

Ainda que as duas novas instituições dos BRICS não tenham se consolidado a ponto de se descartar qualquer possibilidade de fracasso prematuro, Vasconcelos aponta que as criações deram destaque para o grupo de países. “O surgimento do ACR e do NBD, dadas a sua ambição, escopo e a ausência de paralelo histórico para uma iniciativa de países emergentes, ampliou as especulações e os holofotes sobre os BRICS”, destaca o pesquisador.

Indo na contramão das análises inflamadas da imprensa e dos especialistas ― que de um lado defendem que a iniciativa dos BRICS cria uma “Bretton Woods do século XXI”, e do outro acreditam que a importância e o grau de subversividade das instituições é superestimado ―, Vasconcelos é cauteloso. “Decerto, ainda é cedo (...) para avaliar o real impacto dessas iniciativas na arquitetura do sistema financeiro e monetário internacional”, explica o pesquisador.

Para ele, não está claro se as duas novas instituições de fato reestruturarão a lógica construída em Bretton Woods. “Trata-se, em certo sentido, de um caminho em aberto, isto é, ainda a ser trilhado. Por isso, comporta diversas possibilidades de rota, que podem ir de uma mera mimetização e cooperação com as organizações congêneres dominantes, em um extremo, até a uma completa diferenciação e oposição a estas, em outro extremo”, pondera.

Desafios internos e externos

Segundo o pesquisador, apesar da criação das novas instituições, por se configurar como um grupo de “cunho eminentemente político”, o fortalecimento da articulação entre os BRICS pode sofrer impactos negativos de acordo com a conjuntura internacional ou mesmo com as alterações políticas internas de cada país. No caso brasileiro, por exemplo, Vasconcelos afirma que vê chances do governo interino de Michel Temer relegar as relações sul-sul ― incluindo os BRICS ― ao segundo plano, já que, aparentemente, “as forças sociais e políticas que compõem esse governo interino possuem uma predileção de alinhamento mais imediato com a agenda dos EUA e União Europeia”.

Apesar dessa suscetibilidade às conjunturas internas e externas, o doutorando acredita que, enquanto a estrutura construída em Bretton Woods e representada pelo FMI e pelo Banco Mundial resistir às mudanças propostas pelas potências emergentes, os BRICS tendem a se manter articulados. “Enquanto existirem as contradições do capitalismo financeirizado, haverá uma tendência de alinhamento permanente entre esses países que, apesar de concentrarem mais de 40% da população e mais de 20% do PIB mundial, contraditoriamente, carecem de voz geopolítica correspondente”, aponta o pesquisador.

Ainda que não seja viável apontar qual será o futuro dos BRICS, tampouco das instituições criadas pelo grupo, Vasconcelos acredita que o destino de ambos é intrínseco. “De alguma maneira, o desenvolvimento institucional do Arranjo Contingente de Reservas e do Novo Banco de Desenvolvimento refletirá o nível de consolidação dos BRICS”, finaliza.

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