O contexto de Olimpíadas e Paralimpíadas sendo realizadas no Brasil traz novamente a discussão sobre a necessidade de investimento público no desenvolvimento do esporte, principalmente de alto rendimento. Questões como a qualidade da gestão esportiva brasileira são levantadas frequentemente pela opinião pública. Pensando nisso, a professora da Escola de Educação Física e Esporte da USP (EEFE-USP), Maria Tereza Silveira Böhme, coordenou uma pesquisa que visava analisar políticas públicas governamentais voltadas para o esporte de alto rendimento no Brasil.
A ideia surgiu a partir de um estudo internacional de 2009 feito pelo grupo de pesquisa SPLISS ― Sports Policy factors Leading to International Sporting Success (em tradução livre, fatores de políticas esportivas que levam ao sucesso esportivo internacional) ―, que reunia, a princípio, professores de universidades da Bélgica, Reino Unido, Holanda e Austrália. O objetivo do grupo seria elaborar um projeto comparativo entre países sobre políticas públicas e ambiente esportivo. Na ocasião, Maria Tereza foi convidada pelo grupo para representar o Brasil e, junto com uma equipe de sua escolha, levantar os dados do país para que a comparação internacional seja feita.
A pesquisa determinava alguns pilares para serem avaliados nos países, como suporte financeiro, base de gestão esportiva, seleção, detecção e desenvolvimento de talentos, papel da ciência e participação esportiva nas aulas de educação física nas escolas, entre outros. O estudo foi finalizado em 2013, quando a professora pôde, enfim, tirar algumas conclusões a respeito dos aspectos analisados.
Com a pesquisa feita, Maria Tereza observou graves problemas no modo como o país enxerga essa base de políticas esportivas. Segundo ela, não existe comunicação entre os níveis de organização nas esferas federais, estaduais e municipais, bem como nos níveis que envolvem Comitê Olímpico Brasileiro, confederações, federações, clubes e ligas esportivas. Deficiências como essas motivaram-na a fazer uma nova pesquisa, utilizando o mesmo método do SPLISS, mas com o foco na análise dos estados e regiões brasileiras ― não mais visando o projeto nacional, como anteriormente.
Ao buscar dados das cinco macrorregiões do país, o novo estudo definiu como critérios a participação de atletas nos Jogos Olímpicos de 2012 e o orçamento dos governos locais destinados ao esporte. Foram selecionados, por fim, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Distrito Federal, Bahia, Pernambuco e Amazonas. Porém, diante da desorganização das próprias federações, a professora encontrou dificuldades no levantamento de dados. “Acho que, de 280 federações que entramos em contato, seis responderam. No nível local, com poucas exceções, a coisa é feia. Temos dificuldade de acesso para fazer pesquisa.”
O maior problema, assim como visto no âmbito nacional, é a falta de comunicação. Cada nível de organização, segundo Maria Tereza, tem autonomia demais, e não focam em um objetivo comum. “O que falta é uma definição de competências ― o que compete a cada nível. Fazendo um paralelo com a educação, por exemplo, o município sabe que existe uma lei que faz com que o ensino fundamental seja competência dele. No esporte, isso não existe.” Outro obstáculo apontado por ela é a falta de continuidade nos projetos e programas desenvolvidos, já que mudanças bruscas governamentais são comuns no nosso país.
Quando questionada se o resultado no âmbito estadual e municipal, levando em conta todas as regiões analisadas, foi satisfatório, Böhme responde que não foi, nem em quantidade e nem em qualidade de políticas públicas esportivas. “Existem exceções, como programas e centros de treinamento e pesquisas em São Paulo, mas são exceções.”
Podemos observar um pouco do reflexo deste planejamento no desempenho brasileiro nas recentes Olimpíadas. O fato do atleta precisar de muita determinação e superação, no atual contexto brasileiro, para chegar no esporte de alto rendimento é preocupante. A visão imediatista de resultados também atrapalha: “Não existe uma proposta de trabalho a médio e longo prazo. O balanço das Olimpíadas foi bom se pensarmos nas condições que os atletas têm no país.” Na opinião de Maria Tereza, “tivemos resultados bons de acordo com aquilo que desenvolvemos”. E a professora reforça que o problema não foi investimento ou suporte financeiro: “Teve dinheiro, e muito dinheiro. O problema é como esse dinheiro é aplicado. Foram tomadas atitudes pensando no Rio 2016 ― estão dando, agora, uma capacitação de nível ótimo para treinadores de base e alto rendimento. Acho que é uma mudança que veio para ficar. No entanto, nem todas as atitudes foram exemplares.”
Apesar de tudo, a visão final de Maria Tereza é otimista. Ao voltar à comparação internacional, a pesquisadora diz que o Brasil está na frente de outros países nos quesitos suporte financeiro e criação de competições nacionais dos esportes. A professora ainda citou o trabalho feito pela Grã-Bretanha para Londres 2012, que segue dando resultados cada vez melhores nos campeonatos internacionais, para reforçar que confia que a gestão esportiva brasileira irá melhorar. “Não temos que copiar exatamente o modelo britânico, mas sim observar vários bons modelos pelo mundo para desenvolvermos, com sucesso, o nosso.”