ISSN 2359-5191

25/10/2016 - Ano: 49 - Edição Nº: 121 - Economia e Política - Instituto de Relações Internacionais
Estados Unidos influenciaram na queda de Goulart e no golpe de 64
Pesquisa da USP estuda a diferença de postura dos EUA frente aos governos de Jânio Quadros e João Goulart e como isso contribuiu para o golpe militar de 1964
Fonte: Beefpoint

A estreita relação entre Brasil e Estados Unidos tem sido motivo de discussões há muito tempo. Talvez a aproximação mais controvérsia entre os dois países tenha sido durante o período pré-golpe militar no Brasil, em que os Estados Unidos criaram planos ambiciosos de contenção do avanço comunista na América Latina e é apontado como maior apoiador das ditaduras militares no continente na época.

A historiografia aponta os Estados Unidos como um ator fundamental na desestabilização do governo de João Goulart e, por conseguinte, na perpetuação do golpe militar brasileiro. Justamente tentando entender como se deu esse processo de desestabilização do governo Goulart que nasceu a pesquisa Relações econômicas entre Brasil e EUA no contexto da aliança para o progresso, do professor Felipe Pereira Loureiro, do Instituto de Relações Internacionais da USP.

Aliança para o Progresso

Em 1961, no auge da Guerra Fria, o então presidente norte-americano, John F. Kennedy, lançou o programa Aliança para o Progresso, que visava levar desenvolvimento econômico para os países da América Latina e, por consequência, conter o avanço dos ideais comunistas nesses locais.

Inicialmente, o governo americano se propôs a destinar cerca de US$ 10 bilhões à América Latina. Porém, poderia chegar a US$ 20 bilhões com investimento privado. Para fins de comparação: o Plano Marshall, que foi um projeto de ajuda econômica à Europa no pós Segunda Guerra, destinou US$ 13 bilhões.

Contudo, para receber esse apoio norte-americano, era necessário cumprir alguns requisitos, tais como: ser um governo democrático, realizar reformas tributárias progressistas, agrária, política, educacional, entre outros. “Não era apenas um programa de ajuda econômica, mas um programa que se queria condicionar uma transformação substancial da situação econômica e social latino-americana e ao mesmo tempo fortalecendo instituições democráticas. Claramente uma resposta à Revolução Cubana”, afirma Loureiro.

Governos Quadros e Goulart

A principal percepção da pesquisa é a diferença na postura dos Estados Unidos frente ao governo de Jânio Quadros e João Goulart (popularmente conhecido como Jango).

Durante o governo de Jânio, os americanos tiveram uma posição muito mais compreensiva e flexível. O maior exemplo, apresentado na conclusão da pesquisa, está nas tentativas norte-americanas de fazer o FMI (Fundo Monetário Internacional) ter regras mais brandas ao emprestar dinheiro para o Brasil.

Já no governo Goulart isso muda radicalmente. Vale lembrar que Jango não era tão bem visto pelas elites econômicas da época, principalmente porque possuía boas relações com o movimento sindical e era considerado um político mais alinhado à esquerda. Por esse motivo, após a renúncia de Jânio Quadros, Goulart assumiu a presidência com poderes reduzidos. A partir desse momento, os Estados Unidos também mudam suas regras para o programa Aliança para o Progresso e começa a condicionar os empréstimos segundo os critérios do FMI, o que dificulta muito a política econômica brasileira.

Um dos motivos apresentados pela pesquisa para essa disparidade de tratamento entre os dois governos brasileiros é justamente o contato mais próximo que Goulart tinha com setores da esquerda. Porém, Loureiro enfatiza que isso não significava que os EUA viam João Goulart como um comunista, mas, sim, que seu governo poderia abrir brechas para que movimentos comunistas se instalassem no país.

EUA e o golpe de 64

Um importante resultado da pesquisa é que, diferentemente do que comumente se pensa, os Estados Unidos não romperam imediatamente relações com o governo Goulart. Planejar um golpe militar a partir do momento que Goulart assume o poder poderia causar justamente o que os EUA menos queriam: que o governo rumasse para uma política muito mais a esquerda. Ambos os países sairiam perdendo nesse caso, pois os Estados Unidos eram o maior parceiro econômico nessa época e uma ruptura dessa magnitude faria com que o país norte-americano perdesse seus investimentos no Brasil. Além disso, uma atitude que fizesse o Brasil se alinhar mais com o bloco socialista poderia causar a perda de toda a América Latina, vista a influência do país na região.

Dessa forma, inicialmente, a postura norte-americana é mais cautelosa com João Goulart, mas sem romper diálogos. Na realidade, a grande aposta dos Estados Unidos era nas eleições de 1964, quando existia a possibilidade do então governador da Guanabara, Carlos Lacerda, assumir o poder, um político claramente mais amigável à política norte-americana.

A situação muda em meados de 1962, que é quando Goulart tem uma aproximação maior com os movimentos sindicais. Contudo, o momento mais crítico dessa relação é no fim de 1963, quando o Brasil está precisando de ajuda econômica e o governo ameaça pedir ajuda ao bloco socialista caso os EUA não o fizessem.

Neste momento ainda não há uma ruptura de diálogo entre os países. Contudo, já há uma aproximação norte-americana com grupos pró-golpe dentro do Brasil.

Entretanto, a atuação dos Estados Unidos durante o golpe de 64 ainda é algo a ser muito estudado. O País não chegou a ajudar diretamente na perpetuação do golpe, com fornecimento de armas, exércitos, entre outras coisas. Porém, ele chega a deslocar parte de sua frota a fim de garantir que tudo ocorresse como deveria.

“Dá pra gente afirmar que os golpistas internos tiveram uma participação absolutamente fundamental, não só Forças Armadas, mas setores civis, empresários, governadores, movimentos de classe média, entre outros grupos, mas, provavelmente eles não teriam tido a audácia que tiveram e se organizado da forma como se organizaram, se não tivessem pelo menos a garantia de que se a coisa engrossasse e uma guerra civil eclodisse no país, eles teriam apoio da maior potência do mundo”.

Efeitos atuais

Embora o programa tenha acontecido nos anos 60, efeitos atuais podem ser vistos nas cidades brasileiras. O estado que mais recebeu recursos na época foi o da Guanabara, de Carlos Lacerda. As consequências do programa são visíveis na cidade, principalmente na questão urbanística.

Um dos programas mais importantes do governo Lacerda e que utilizou recursos da Aliança para o Progresso foi o de urbanização de favelas. Muitos conjuntos habitacionais nas regiões periféricas são construídos, os mais conhecidos são os da Vila Kennedy, Vila Aliança e Cidade de Deus. A ideia inicial era criar, juntamente com esses conjuntos habitacionais, polos de trabalho para a população. Porém, o plano malogrou e os bairros acabaram ficando sem infraestrutura mínima necessária, o que ocasionou a favelização. Hoje, Cidade de Deus é uma das maiores favelas do Rio de Janeiro.

O programa começou a entrar em colapso rapidamente. Primeiro porque o primeiro de seu requisito para os empréstimos não foi cumprido: a ocorrência de golpes militares na América Latina feria o requisito de que o programa só ajudaria governos democráticos. Segundo porque muitos setores dentro do Brasil não concordavam com as regras do programa, principalmente setores da direita.

“A Aliança para o Progresso não só falhou do ponto de vista dos recursos que ela deveria dar para a América Latina e para resolver os problemas graves socioeconômicos do continente, como as poucas realizações sociais que a gente poderia trazer do programa também apresentaram resultados visíveis hoje muito tristes”.

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