Em alta voz

Lidar com o preconceito linguístico além do preconceito social é a realidade de muitos nordestinos residentes na região Sudeste do Brasil

Pessoas se conectam pela comunicação. Todos estamos conectados por algum meio comunicativo, de modo que as mensagens podem ser passadas pelo uso das mãos, como gestos, por vezes pelos olhares, pode ocorrer por meio de pinturas ou músicas, pela escrita, e também vale considerar as vezes uma comunicação ocorre até mesmo sem trocar palavra alguma. Ainda assim, quando se fala em comunicação, um dos meios que se pode associar com grande certeza é a própria fala. Usar a voz para se expressar, expor ideias, posicionamentos e opiniões é, inclusive, dito como direito em nossa sociedade, direito este que diante de palavras mal colocadas, da falta de instrução e da falta de respeito enraizada no preconceito, pode ser tirado, abafado, oprimido. Lidar com o preconceito linguístico além do preconceito social é a realidade de muitos nordestinos residentes na região Sudeste do Brasil. 

Gestos e olhares sempre falam muito sobre o que alguém tem a dizer sem que o indivíduo pronuncie uma única palavra. Ainda assim as palavras ditas com a intenção de calar o próximo continuam exercendo grande poder no meio social. É chamado de preconceito linguístico o ato de julgar de forma negativa ou depreciativa a forma de falar de algum indivíduo, ato este realizado por pessoas que dominam um mesmo idioma. O Brasil, rico em cultura, em diversidade e misturas, tendo o Sudeste como uma de suas regiões mais desenvolvidas, tem também nele concentradas marcas do preconceito que, quando não a diminui, tira a voz de muitos migrantes.

Dados coletados pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) revelam que os maiores fluxos de migração estão, em primeiro lugar, entre os estados da Região Sudeste, e em segundo lugar migrações que ocorrem de pessoas que deixam algum estado nordestino em direção ao Sudeste. Segundo o técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea responsável por esses dados, Herton Araújo, estes dois tipos de migrações se diferem pelo fator “escolaridade”. 

O nível de escolaridade também é usado como parâmetro entre as pessoas que praticam o preconceito linguístico e, como comprovação deste fato, comentários pejorativos são facilmente encontrados em redes sociais quando brasileiros que se comunicam fora da norma padrão, expressam-se através da fala. O “desvio” da chamada norma culta, quando identificado por alguém que julga o seu modo de falar superior ao de um outro indivíduo, gera comentários desagradáveis que podem construir um preconceito dentro da própria pessoa que o sofreu. Falando com migrantes do Nordeste para a cidade de São Paulo é possível coletar informações que comprove a afirmação no período anterior.

Marleide Maia Santos, 46 anos, nascida no interior da Bahia e residente na cidade de São Paulo desde 1999, relata ter deixado sua cidade natal com seu marido e filha (na época com três anos de idade) para “tentar a vida, passar seis meses e voltar”. Terminou seus estudos em uma pequena cidade baiana chamada Várzea Nova. Lá, tornou-se professora, vendedora de cosméticos, cabeleireira dona de seu próprio salão, esposa e mãe. 

Após sua chegada em São Paulo, o retorno para a Bahia não aconteceu como o previsto e até os dias de hoje, ano de 2020, é moradora na Zona Norte da cidade de São Paulo com a sua família. O sotaque marcado que alguns dizem que pode “se perder com o tempo” não foi perdido em sua fala. Marleide, atualmente controladora de acessos de uma empresa de portaria remota, conta situações do seu dia a dia, na empresa onde trabalha diretamente atendendo moradores de condomínios pelo telefone, nas quais se sentiu menosprezada e diminuída pelo seu modo de falar, chegando ela mesma a afirmar que “fala errado” e por isso costuma pedir ajuda para uma de suas duas filhas todas as vezes que vai fazer alguma publicação em redes sociais, para que elas “corrijam” a sua escrita. 

Insegurança, medo e até mesmo vergonha são sentimentos que se misturam nela diante do que já ouviu a respeito do seu jeito de falar. Colegas de trabalho que a imitam após ela dizer palavras que, aos ouvidos deles, são ditas de forma “errada” (quando na verdade a diferença está na entonação de algumas sílabas ou na intensidade colocada na voz) causam o desconforto dentro dela de modo a fazer crescerem os muros da insegurança que tomam conta de Marleide, fazendo com que as suas expressões de fala sejam cada vez menos frequentes no ambiente. Ela também cita momentos em que tenta forçar sua dicção para que se pareça um pouco mais com a dos seus colegas nascidos em São Paulo, como uma forma de, segundo ela, esconder o seu sotaque, evitar “falar errado”. 

Com o relato acima descrito, é possível notar como o preconceito alcança dimensões colocadas muitas vezes fora do seu curso comum, em vez de virem somente de ações externas, começa a ter força dentro da própria pessoa que o sofreu, fazendo com que ela mesma se prive, se cale e se diminua diante daqueles que com suas ações, olhares e palavras intitulam-se “os que sabem falar”. Prisioneiros dos próprios pensamentos despertados pelo preconceito externo, assim como Marleide, muitas outras pessoas sofrem diariamente pelo simples fato de ter a sua fala às margens da norma culta instituída durante muitos anos numa sociedade que exclui mais do que abraça.

Um segundo relato, registrado através de entrevista concedida pelo telefone, caminha numa mão diferente da experiência compartilhada por Marleide. O registro agora é de Genildo Medeiros, 44 anos, baiano da cidade de Jacobina, na Chapada Diamantina – Sertão da Bahia. Genildo é formado em magistério, em contabilidade, cursou seis semestres do curso de biologia na faculdade, onde descobriu não se identificar muito com a área, motivo pelo qual não concluiu, hoje é aposentado como funcionário público. Trabalhou na área da educação como professor, já foi diretor cultural e também atuou na área contábil. Trabalhou durante um período para uma agência bancária e foi também encarregado administrativo de uma empresa pela qual trabalhou em cinco estados diferentes, dizendo poder assim “conhecer um pouco mais da riquíssima cultura nordestina e entender como é a vida em vários estados do Nordeste”. Atualmente mora com sua família em Bruxelas, Bélgica. 

Dentre suas várias experiências em diferentes áreas profissionais, ele afirma que o rádio sempre foi a sua grande paixão, assim como, em suas palavras “o microfone e o poder que ele tem”. Como locutor, radialista, apresentador e cerimonialista, descreve a ação de poder usar a sua fala para fazer o que ama como “um dom”. Sendo locutor no Nordeste afirma que sua forma de falar é reconhecida por quem o ouve, afinal, no interior do nordestino, o seu público são pessoas que ali residem, de forma que não existe então preconceito com a sua voz, com os termos que usa, com o seu sotaque ou linguajar.  Genildo também ressalta que essa situação é diferente quando se trata de um locutor à nível nacional, quando se tem um padrão estabelecido e em como essas questões ofuscam o brilho do locutor baiano, do cearense ou de qualquer outra região do Nordeste. Citando como exemplo apresentadores de telejornais Genildo Medeiros aponta a fala de forma padronizada seguida por esses apresentadores, os quais “tentam evitar ao máximo o sotaque, independentemente de qual região eles sejam”, argumento este que dá margem para se pensar a respeito do preconceito que ocorreria com sotaques de forma geral, não somente como algo exclusivamente aplicado sobre a fala nordestina. 

“Ser nordestino é, principalmente, ser um forte”, afirma Genildo. O radialista baiano ressalta características que fazem do nordestino, diante das dificuldades, todos os dias provar a sua força, “lapidado no espinho do dia a dia”, nas suas palavras, acrescenta que o linguajar arrastado e as vezes cantado faz parte da vida nordestina. Segundo ele, “termos técnicos e palavras mais bem colocadas nos seus lugares” não são grandes preocupações, sendo então que o mais importante é, em suas palavras “passar a emoção”, principalmente para ele em sua atuação como locutor, radialista e apresentador, demonstrando sua grande paixão por essa área na qual pode usar de sua fala como maior instrumento para tocar o seu público. 

Ao falar de preconceito, Genildo o caracteriza como “algo muito abrangente” e que quando se sai do Nordeste para outras regiões, o preconceito é grande, ressaltando também que já foi maior, e, infelizmente, ainda existe.  Citando termos usados muitas vezes com o intuito de ridicularizar como o termo “paraíba”, utilizado de forma pejorativa para se referir de forma geral a pessoas que deixaram a Região Nordeste, ele expressa seus sentimentos a respeito dessa generalização do termo que passa a não ser bem aceito entre a comunidade nordestina. Neste momento Genildo também deixa claro a falta de conhecimento dessas pessoas que usam o termo “paraíba” para generalizar e diminuir, uma vez que Paraíba é um estado maravilhoso, e quem não o conhece, deveria conhecê-lo, exaltando as características ligada ao termo, mostrando como ele não deveria ser usado jamais de forma preconceituosa.

  “As pessoas têm um calor humano muito grande! Gostam de ser abraçada, falam alto, gritam e xingam, mas transmitem verdades nas suas palavras, não se escondem atrás de termos técnicos, palavras bonitas e até fogem um pouco do politicamente correto”, diz Medeiros, falando um pouco sobre a vida e o povo do Nordeste. O nordestino e o dom de trazer alegria, para ele “os maiores humoristas do mundo são nordestinos”, e fala com tom de alegria notável em sua voz quando também diz que grandes humoristas são nordestinos, tendo eles o “dom de fazer as pessoas sentirem emoção, de rir e até mesmo chorar” pela expressão do sentimento que carregam em suas falas. 

A conversa e a exposição de suas ideias a respeito do tema abriram espaço para que outras variações da língua portuguesa falada no Brasil pudessem ser mencionadas: como a questão da fala do paulista ou do gaúcho, que para um nordestino também são difíceis de entender pelos termos usados que não fazem parte do seu cotidiano. Genildo cita os termos baianos “bater um baba” e as expressões “barril” e “barril dobrado”, explicando significado de cada uma delas, sendo a primeira um “convite, quando você chama alguém para jogar bola”, e a segunda usada para elogiar algo “quando uma coisa é muito boa”, sendo o “barril dobrado” para quando algo é ainda melhor; termos utilizados no dia a dia do baiano não deixando de estar presentes nas locuções, nos programas de rádio, fazendo parte do cotidiano de forma marcante. O encontro das variações pode causar confusões de interpretação entre os falantes sem deixar de ser extremamente interessante e enriquecedor quando o olhar não é guiado pelo preconceito e exclusão. 

Genildo caracteriza a visão que os “sulistas” tem a respeito do nordestino como algo que foi conturbado por conta da televisão, uma vez que muitos programas ao apresentar o dialeto nordestino o ridiculariza, colocando-o sempre como algo engraçado e adicionando expressões que os próprios nordestinos não utilizam com tanta frequência como é mostrado nas telas. Um exemplo destacado por ele é o uso das expressões “meu rei”, “painho”, “mainha”, termos que, segundo ele, são colocados nas novelas quando se fala da região e que, nas suas palavras “criam um estereótipo que não é a nossa realidade, não é a nossa verdade”, ele afirma sobre a variação dentro do próprio estado da Bahia, sobre a presença de diferentes formas de falar entre as regiões norte, sul, leste e oeste da sua Bahia. 

Comparando o Brasil e o país no qual Genildo Medeiros vive atualmente, ele fala sobre as quatro línguas oficiais faladas na Bélgica (francês, alemão, inglês e neerlandês), sem contar a quantidade de pessoas de todo o mundo que compõem a comunidade belga e que dentro dela se comunicam cada uma a sua maneira, demonstrando seu respeito as variações dos povos. Ele também menciona o encontro entre brasileiros na Bélgica, que torna possível a identificação que consegue fazer dos diferentes sotaques brasileiros, como o mineiro e o goiano, sabendo também que estes o identificam como baiano pelo seu modo de falar, o que mostra suas identidades, de onde são, suas origens, sem rotulações, sem preconceitos. 

Medeiros ressalta o preconceito como algo que está mais a nível global e que em sua região aqui no Brasil, onde viveu e trabalhou durante anos, o preconceito é pouquíssimo, existindo, segundo ele, em casos de um locutor que não tenha muito estudo e use palavras erradas, as pessoas podem até criticar, mas compreendem a mensagem que ele quer passar e o entendem (no sentido de não aprofundarem as críticas pelo seu modo de falar). “Fora isso, se compreende que o nordestino fala dessa forma. “ (Genildo Medeiros). 

O baiano também menciona a globalização e a internet como fatores que, aos seus olhos, tornam os termos e expressões nordestinos mais conhecidos pela parte da população que não tenha esse conhecimento. Citou o humorista Whindersson Nunes, já muito conhecido e querido por grande parte do público brasileiro através das redes sociais. “Muitos passam a entender mais e muitos acham até bonito! ”, diz Genildo referindo-se ao falar nordestino. Para ele, as diferenças entre as falas nordestinas (baiana, pernambucana, alagoana, cearense, entre outras) são singulares, distintas em suas essências, “cada um tem o seu jeito de falar” e ainda assim todos conseguem passar suas informações necessárias e se fazerem entendidos no final, entregando suas mensagens, tanto entre suas próprias regiões nordestinas, quanto em todo o território brasileiro. Entender a mensagem passa a ser o mais importante.

Compreensão da mensagem. A situação traz à memória um caso observado numa pequena escola da Zona Norte de São Paulo com uma turma de segundo ano de ensino fundamental e a professora de inglês. Eles estavam prontos para descer as escadas para o momento do lanche das crianças no pátio, quando um dos alunos disse “Olha, teacher! Eu trusse salgadinho e trusse suco! ”, depois disto a professora explicou que nós não dizemos “trusse” e que o modo correto de dizer essa palavra seria “trouxe”, e então o aluno disse em seguida “Ah tá! Então: teacher, eu trooouxe salgadinho e trusse suco também”.  

Analisando esse diálogo entre aluno e professora, mesmo usando o verbo “trazer” duas vezes na sentença, a criança corrigiu, dando ênfase, apenas na primeira vez que ele o usou, seguindo a frase, na segunda vez ele usou o verbo conjugado como “trusse”; aqui há um detalhe interessante sobre a situação citada: as outras crianças não tentaram corrigi-lo novamente e nem mesmo riram dele, eles apenas entenderam a mensagem. Nos primeiros anos de escola é comum ver esse tipo de correção acontecer na relação professor-estudante, e isto os prepara para “falarem corretamente”. Muitas vezes, dentro de algumas pessoas, essas correções fazem crescer nelas o medo de usar palavras, o receio de falar em público e de compartilhar em alta voz suas ideias. 

A situação das crianças em tão pouca idade na escola é inspiradora e reveladora dos seguintes aspectos: crianças não ridicularizam ou distinguem pelo simples fato de que elas entendem a mensagem. Em um paralelo com o posicionamento de Genildo Medeiros a respeito da compreensão que se pode haver apesar das diferenças de fala, o preconceito linguístico não teria o impacto negativo se a pessoa que o pratica vencesse a vontade de rebaixar o outro, de modo a não deixar que a sua ignorância se torne tão forte a ponto de atropelar a sua percepção e entendimento do crucial: a mensagem. 

Preconceito que faz uma mulher que já lecionou um dia pensar que “não sabe falar” (caso exposto pela Marleide Maia Santos). Preconceito que “tira o brilho” dos nordestinos e do seu modo de falar (segundo Genildo Medeiros). Os relatos apresentados e a presença marcante dos seus sotaques e modo singular de expressar as situações, regados por termos que enriquecem, emocionam e explicitam ainda mais a diversidade de palavras que o brasileiro de todos os cantos do país tem à disposição para agregar ao seu vocabulário todos os dias. O preconceito bloqueia a aquisição desta riqueza. A diferença vista como “defeito” que faz alguém que, se julga superior pelo seu modo de falar, “olhar torto” muitas vezes para aquele senhor que veio do Nordeste e trabalha na construção civil, na portaria do seu prédio, na limpeza, trabalhos que precisam ser feitos e são completamente dignos de respeito, porém que também entram na longa conta a qual o preconceito tem a pagar. 

De quem é a voz que cala? E a voz dos que consentem? Posicionamento a respeito do preconceito linguístico torna-se de grande importância a partir do momento no qual se percebe poder bloqueá-lo e diminuir o seu poder destrutivo, para que os seus efeitos se tornem quase nulos na vida de quem tem a sua voz diminuída e, por vezes, colocada praticamente em mudo somente por ter características diferentes daquilo que se tem definido como padrão. A maneira como a mídia expõe o nordestino e a sua fala, muitas vezes ridicularizando as variações em busca de status ou fama entre uma população que tem problemas em distinguir o preconceito por ele já, infelizmente, estar tão arraigado em meio social. A generalização que incomoda quando o baiano se sente ofendido quando grande parte, por influências midiáticas, pensa que a Bahia inteira tem o mesmo sotaque e dialeto de Salvador, rotulando quase sempre as variações dele como “sotaque de gente do interior”, “coisa de gente da roça”, termos que não deveriam jamais ser empregados de forma negativa, afinal não é defeito alguém se encaixar em algum deles.

Aceitar diferenças é algo que aos poucos vem ganhando mais notoriedade em meio social. Arrancar o sentido de “defeito” para aquilo que é diferente tem se tornado uma luta diária de muitas pessoas que despertaram e que querem dar um basta a qualquer forma de opressão que pense em calar a sua voz. Aceitar sem grandes renúncias o “bá” dito pelo gaúcho e ridicularizar o “massa” dito pelo baiano, sinais que comprovam que o preconceito linguístico vem carregando na bagagem consigo o preconceito social, a divisão de classes e a ignorância sobre os diversos dialetos que compõem a sociedade brasileira, somada à enorme falta de respeito. 

O medo de falar reforçado pelo pensamento sobre o que os outros podem pensar e em como eles irão julgar a sua fala. Julgamento construído em cima de “uma palavra dita errado”, “um verbo não conjugado corretamente de acordo com a norma culta, concordando em gênero, número e grau com o restante da frase”, construído diante do tom de voz usado pelo falante e por uma das marcas que o torna diferente: o seu sotaque. O medo de falar e dizer algo errado, de que ouçam o seu sotaque e digam que ele soa errado é um problema a ser enfrentado no dia a dia de muitos migrantes das zonas norte e nordeste da nação brasileira. 

Não se pode fechar os olhos para o preconceito que ocorre entre as outras variações e dialetos, porém é visível que os ataques geralmente ocorrem de forma mais forte na vida das pessoas vindas das duas regiões que muitas vezes sofrem caladas diante da frase ‘nordestino falam errado” e tem o seu modo de falar e o seu sotaque ridicularizado por esse motivo. Argumentos claramente apoiados pelo preconceito, um preconceito causado pelo que se ouve de pessoa para pessoa, pelo que se ouve nas escolas, nas ruas, por pessoas que não pensam em como suas palavras possuem o poder de danificar ou bloquear o pensamento de alguém, podendo inclusive alterar o seu julgamento sobre si mesmo. Além do preconceito social, ter que lidar com o preconceito linguístico. 

Um modo distinto de se pronunciar em uma língua, especialmente associado a uma nação em particular, localidade ou classe social, pronúncia característica de um país, região ou indivíduo. A linguística explica que a língua é produzida em sociedade e este mesmo ponto traz a reflexão sobre o que faz pessoas pararem de compartilhar os seus pensamentos e ideias através do uso da linguagem, apenas por não estar dentro da norma padrão. Pontos comprovando que uma sociedade que evolui em tecnologias e técnicas, regride quando se fala em diversidade. Diversidade esta que merece ser vista como um dos grandes dons recebidos pela humanidade, aquilo que nos permite pensar diferente, falar diferente, e isto não pode ser visto como um problema. 

Pessoas que geralmente desconhecem o fato de que num país há diferentes dialetos, uma forma diferente da linguagem falada em uma parte específica de uma nação, contendo algumas palavras e gramática variantes, únicas, próprias. Todos os dias o brasileiro tem contato com algum outro que fala diferente dele mesmo. 

Virtudes que se tornam vaidades, em uma sociedade em que o status é mais importante do que outros pontos, na qual até mesmo o falar pode excluir pessoas de um grupo. Jean Jacques Rousseau (1712) falou sobre alienação e sociedade e como os costumes políticos e interesses particulares mudam a humanidade. Existe uma vontade de ascender socialmente e de ser aceito nas classes mais altas que torna o modo como as classes pobres falam “menos importante”, não padrão, não aceito. Diferenças e preconceitos. 

Ninguém tem o direito de dizer que existe uma maneira correta de falar; as pessoas não devem se assustar e muito menos se calarem diante de palavras de alguém que usa uma variação diferente de falar para ofendê-los, sufocá-los; más experiências causam efeitos e deixam marcas, todos somos livres para pensar, também somos livres para falar e precisamos descobrir isso todos os dias. Afinal, quem fala corretamente? Uma mídia manipuladora que impõe um padrão, um padrão que exclui e coloca um acima do outro. A necessidade da reeducação e a restauração do respeito a falar com um outro ser humano, conhecer todas as teorias, dominar todas as técnicas, porém ao tocar uma alma humana, ser apenas outra alma humana (Carl G. Jung – 1875 – 1961). O respeito deve ser uma das línguas oficiais faladas por todos. 

Por Ingridie Maia Santos
ingridie.santos@usp.br