“A pandemia me deixou sem nenhuma renda”

No começo do mês de fevereiro, Paula Guarani sacou todo o dinheiro que ganhou em seu comércio na virada de ano e seguiu rumo a São Paulo. Na terra da garoa, fez uma grande compra de estoque para a sua loja e logo retornou para casa, na Vila São Jorge, distrito do município de Alto Paraíso.  

O volume da compra feita em São Paulo para revenda foi atipicamente maior que das outras vezes. Isso porque dois feriados prolongados em abril estavam se aproximando e a expectativa era uma grande movimentação de turistas na Chapada dos Veadeiros, onde fica o vilarejo de 700 habitantes em que Paula mora e tem sua loja.

A comerciante de 35 anos vende cosméticos de produção própria, roupas indianas, incensos, prata e acessórios em geral. Além da loja, Paula também tem uma banca na feira Alto Paraíso, onde vende seus produtos aos fins de semana.  

Mais da metade dos clientes de Paula são viajantes que visitam a Chapada dos Veadeiros: 70% dos compradores são turistas e apenas 30% são moradores do local. Por isso, a notícia anunciada nos jornais no dia 22 de março foi recebida como um golpe pela comerciante. Apenas algumas semanas depois da compra massiva de produtos, o Parque da Chapada dos Veadeiros foi fechado, sem previsão de reabertura. Devido à pandemia do novo coronavírus, o turismo no Brasil — e no mundo inteiro — estava em crise. 

O começo do caos

No dia em que o fechamento do Parque foi decretado, o Ministério da Saúde havia anunciado o número de 25 mortes e 1.546 casos confirmados de Covid-19 no Brasil. Naquele momento, as autoridades começavam a sinalizar um cenário crítico no sistema de saúde brasileiro. Com isso, Paula achou, de fato, que a suspensão do turismo era necessária, mas ficou surpresa. Até então, o fluxo de turistas em São Jorge estava alto, então ela ainda não havia sentido os efeitos do novo coronavírus. “Mesmo com o início da conversa sobre a pandemia e com tudo suspenso em São Paulo, aqui estava cheio de gente, estava tudo bem”.

Além de perder 70% dos clientes da sua loja, a suspensão do turismo também tirou de Paula a sua segunda maior fonte de renda: o aluguel de sua casa. Durante feriados e datas comemorativas, a lojista deixava sua casa e a alugava para turistas em São Jorge. “Faz 5 anos que moro aqui e faz 5 anos que pago meu aluguel dessa forma”.

A suspensão do turismo na Chapada dos Veadeiros deixou Paula sem renda alguma — e não foi diferente para grande parte da população da região. Segundo um estudo da Universidade Federal de Goiás, a principal origem de emprego de Alto Paraíso de Goiás está vinculada a atividades de serviços diversos, com percentual de 41,11%. A mesma pesquisa também constatou que o comércio e serviços da cidade têm “maior empregabilidade municipal influenciada direto e indiretamente pelas atividades ligadas ao turismo”. 

Questão de sobrevivência

Para segurar as pontas durante a pandemia, Paula tentou recorrer a outro trabalho. Além de lojista, ela também é terapeuta e trabalha com massagem e thetahealing. Como as sessões de massagens também foram impossibilitadas pelo isolamento imposto na pandemia, a comerciante passou a anunciar a terapia com thetahealing online. Por se tratar de uma técnica de cura energética, existia a possibilidade de realizar atendimentos virtuais com os pacientes. 

Paula admite não ser habilidosa com comunicação nas redes sociais, então a divulgação do seu trabalho não teve alcance relevante. Das poucas sessões que realizou, apenas um paciente pagou pelo tratamento. “Estava todo mundo sem dinheiro”.

Sem ter trabalho remunerado para recorrer, a lojista precisou resgatar toda a reserva financeira que havia feito durante quatro anos. Paula começou a juntar esse dinheiro em 2016, com a intenção de investir em um terreno em Alto Paraíso. Os planos foram por água abaixo e a comerciante gastou toda a reserva financeira durante os meses de suspensão do turismo na Chapada dos Veadeiros, já que não tinha mais fonte de renda. 

Paula conta que o que segurou sua situação financeira durante a pandemia foi o auxílio emergencial anunciado pelo governo federal no dia 18 de março. Como ela é Microempreendedora Individual (MEI) e mãe em família monoparental, a lojista teve direito a duas cotas do auxílio de R$600,00 por três meses.

A retomada

No dia 18 de agosto, o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros foi reaberto, seguindo as normas sanitárias e de segurança para a prevenção da Covid-19. A retomada de atividades econômicas da cidade também foram permitidas, desde que houvesse fiscalização e aprovação da prefeitura. Nessa mesma data, o Brasil atingiu o número de 110 mil mortes e 3.411.872 casos confirmados do novo coronavírus.

Com o dinheiro recebido pelo governo e o malabarismo para pagar as contas, Paula segurou as pontas por alguns meses. Apesar da reabertura do Parque e do comércio em agosto, ela optou por não voltar a abrir a loja. Na época grávida de 6 meses, a comerciante ainda tinha receio de deixar o isolamento por questões de segurança. Os funcionários de sua loja tinham o mesmo medo por terem filhos pequenos — logo, a loja seguiu fechada. 

Para driblar o aperto financeiro, porém, Paula deixou um bilhete na porta de sua loja dizendo que, caso o cliente desejasse um produto, ele poderia contatá-la por telefone e ela levaria a mercadoria até lá. Como o movimento da região voltou rapidamente com a reabertura dos comércios, a tática funcionou. “Essa semana mesmo eu atendi dois grupos que me ligaram. Foi ótimo, a grande venda da semana”. Nesse ritmo, ela tem conseguido ir até a loja para vender dois dias na semana.

No final do mês de novembro, o Brasil já contava com mais de 170 mil mortes pela Covid-19. Mesmo assim, com a reabertura do comércio na região da Chapada dos Veadeiros, o movimento voltou a ser muito alto. Paula constata que o turismo por lá já “voltou a todo vapor”. Segundo ela, essa época costuma ser de baixa temporada por lá, mas esse ano está diferente. “Eu passo na rua e vejo as lojas e restaurantes sempre lotados, até durante a semana. Novembro é um mês de baixa temporada aqui, mas esse ano está lotado a semana inteira”.

“Tudo que vier é lucro”

Por questões de segurança e saúde, Paula optou por reabrir a loja de forma integral somente quando a vacina contra o novo coronavírus for disponibilizada. A lojista se sente otimista com a situação. Por já ter compreendido que as coisas não voltarão ao normal ainda esse ano, para ela, “tudo que vier é lucro”.

O foco de Paula, a partir de agora, é 2021. “Acredito que a partir da metade do ano que vem a gente vai conseguir retomar as rédias da situação e ter um movimento maior, uma movimentação do caixa. Dessa forma, vou poder recuperar essa grana que eu tinha na minha poupança e se foi nesses meses de pandemia”. 

Por Jade Rezende / jaderezender@usp.br