logotipo do Claro!

 

A feira, cherri e a rifa

 

Por João Paulo Freire

 

ed 1

Pááá! Aquele homem baixo e de olhos puxados se concentrava em bater o facão contra a mesa como se estivesse com raiva. Ao me aproximar da barraca, ficou claro que, na verdade, ele preparava, e com muita destreza, pedaços de peixes para vender ali mesmo. A procedência do produto parecia boa, não fosse o odor que tomava todo o ar daquela parte da feira, lotada, às dez da manhã de um domingo abafado.

A cena poderia estar se repetindo em vários lugares de São Paulo naquele momento. Cada distrito da cidade tem sua própria feira livre, e alguns têm duas ou mais delas. Espalhadas pela maior cidade do país, as 873 feiras cadastradas junto à prefeitura, especificamente à Secretaria de Desenvolvimento, Trabalho e Empreendedorismo, são conglomerados de muita gente, Claro!, mas também de produtos que, em sua maioria, vêm de longe da cidade. Além de toda a gritaria, das cores e do empurra-empurra.

– Um quilo de sardinha, por favor.

– É pra já freguesa!

Havia também muita água escorrendo pelo chão, água que corria até a sarjeta e que, no caminho, aspergia na calça ou na canela de quem passava correndo à sua frente com um carrinho de feira.

– Ai o meu pé, caramba!

– Olha por onde passa, pô – iniciava-se uma discussão entre aquele grupo de pessoas que tinham seus carrinhos presos um no outro num corredor apertado, depois de uma senhora passar apressada.

A três barracas do peixe, estava a banca das hortaliças. Era um verde só! A água que sobejava no japonês faltava para a acelga, couve e alface. Certamente, também faltava água nas plantações de onde vieram a colheita: um maço de rúcula por oito reais! E o vendedor ainda insistia aos berros:

– Olha a melhor alface, a melhor escarola!

Andando mais pra dentro da feira, cinco crianças agitadas, de no máximo seis anos, estavam acompanhadas por um homem paciente que era pai ou tio de todas elas. As crianças disputavam o DVD de um desenho, Peppa Pig. Giovana, a maior de todas, ganhou a disputa e foi embora pra casa com o DVD na mão, mas sem fruta alguma.

– Vocês só vão assistir depois do almoço! – exclamou o homem.

Passando em frente aos DVDs, um carrinho entulhado de frutas era arrastado por uma mulher na casa dos 30, acompanhada de sua poodle branca. Aquilo comoveu as crianças. Os pequenos queriam saber o nome da cadela e partiram para brincar com ela.

– O nome é Cherry – respondeu a dona às crianças, com muita pressa, batendo sacolas em todo mundo que passava ao lado.

O que essas crianças não sabiam é que ir à feira com o pai ou tio apenas pra comprar um DVD pirata nem sempre foi uma opção possível. Quando surgiram na cidade, por volta de 1687, as feiras vendiam apenas “gêneros de terra, hortaliça e peixe”, como conta a Prefeitura, e não DVDs e quinquilharias. Hoje, vendem coisas como roupa íntima, correia de chinelo, borracha da tampa da panela de pressão, relógio e rádio de pilha. Naquela da rua Carneiro da Cunha, bairro da Saúde, zona sul, não era diferente.

Outra coisa que aquelas crianças também não sabiam é que se a barraca das hortaliças está antes da barraca do melão – que custava dez reais a unidade! – é porque o dono das hortaliças se cadastrou na prefeitura antes do dono dos melões. As bancas (registradas) estão todas dispostas em ordem cronológica ao seu cadastramento. Aquela bagunça de gente gritando pra todo lado, carrinho atropelando todo mundo, fruta jogada no chão não estava desse mundo.

– Um melão, dez reais. Leva três, paga vinte!

O vendedor da mais colorida das 188 bancas da “Feira Bosque” exibia uma peculiaridade em sua mesa. Junto ao cordão usado para estender os papéis com os preços das frutas, aquele mesmo que a mãe usa para fazer de varal, estava enganchado, sem preço, um ovo de Páscoa Diamante Negro, 750 gramas.

Era estranho que aquela embalagem preta chamasse mais atenção do que maças e morangos vermelhos, abacaxis e bananas amarelos, mexericas e laranjas laranjas, que eram vendidos lado a lado. O colorido das frutas deveria, isso sim, chamar a atenção.

Seria muito estúpido deste repórter perguntar se o ovo estava a venda e quanto custava? Sejamos estúpidos, então: era uma rifa para a Páscoa. Cinco reais por cada nome.

Aquela era a prova de que muita coisa tinha mudado desde que as feiras livres foram oficializadas em 1914 pelo prefeito Washington Luiz. No município, a primeira feira contou com 26 feirantes no Largo General Osório e a segunda, no Largo do Arouche, teve 116 deles. Hoje, para abrigar esse batalhão de vendedores, existem, além das feiras, 15 mercados municipais, 17 sacolões e cinco mercados de flores em toda a cidade de São Paulo.

Quem são esses profissionais que trabalham vendendo frutas e tudo mais pra gente que talvez nunca tenha plantado nada na vida? Moram longe, alguns nos extremos mais inacessíveis da cidade, acordam antes do dia nascer, cantam pra chamar a atenção dos clientes, inventam bordões e, em alguns casos, trabalham todos os dias da semana. Gente trabalhadora e muito criativa!

– Mulher bonita não paga, mas também não leva! Duas dá uma jarra, três dá um balde! – sobre as laranjas.

Vindo das últimas barracas, o bafo quente, o cheiro de tomate, o barulho da gordura fritando o pastel podiam ser sentidos de longe e denunciavam o fim da expedição. Uma fome! Qual outra forma de acabar a ida à feira que não parar na barraca do pastel, sempre tocada por uma família de orientais?

  • Um pastel de pizza, por favor.

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

Expediente

Contato

Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 443, Bloco A.

Cidade Universitária, São Paulo - SP CEP: 05508-900

Telefone: (11) 3091-4211

clarousp@gmail.com