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O cinza do elevado, a vida no calçadão

 

Por Thiago Neves

 

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Quando era criança ia muito ao Rio de Janeiro. Detestava ir à praia, meus pais também, mas a gente ficava horas sentado em um daqueles bancos de pedra, de costas para o mar, vendo as pessoas passarem. Achava o máximo fazer isso aos domingos, o calçadão de Ipanema se expandia, uma das pistas da Vieira Souto era – e ainda é – tomada por bicicletas, cachorros, pessoas andando de patins, gente correndo e brincando com os filhos, tinha muita coisa pra eu ficar admirando.

Quando fiz 18 anos saí de Belo Horizonte, e dessa vez não iria para o Rio, mas pra São Paulo. Nos primeiros meses vivi em um hotel logo abaixo do Minhocão. Naquela altura, o que me incomodava sobre o Elevado Presidente Artur da Costa e Silva não era a brutalidade da construção, mas quem ela homenageia.

Depois de um tempo fui aprender que a obra foi iniciada em 1969, por Paulo Maluf, quando Costa e Silva era Presidente.

Em conversas, o Elevado foi sempre alvo de críticas ferozes, justificadas, é verdade, mas em poucos momentos ouvi qualquer elogio à aventura arquitetônica de Maluf. Na verdade, nem sei se é possível se falar em arquitetura ao descrever o Minhocão, a via elevada é uma obra de engenharia bruta, que nada resolve o problema do trânsito, além de exercer um incontestável impacto na paisagem urbana da cidade.

Até que escutei uma história de que a via fica fechada para carros entre 21h30 e 6h30. Ah, e aos domingos também – igual a Vieira Souto. Um dia ouvi alguém falando que, aos domingos, quando o Minhocão fica inacessível aos veículos, um grupo de pessoas faz do entulho arquitetônico uma praia. Aparentemente, levam cadeiras de sol, sunga, frescobol, até churrasco. Me interessei.

Fui em um domingo nublado, quando cheguei à Praça Roosevelt, admiti a possibilidade de não conseguir comprovar a tal história. Olhando da ponta, achei linda a cena das pessoas entrando no Elevado em bloco, em um ritmo líquido, viscoso, devagar. As formas eram diversas: cachorros, bicicletas, carrinhos com crianças, pessoas se exercitando, uma grande manifestação de vida. A obra, a cada metro que aquele fluxo avançava, evidenciava mais sua dureza, cada vez mais cinza, a cada passo mais deslocada naquele cenário.

Os edifícios que margeiam o Minhocão são mais antigos que a homenagem a Costa e Silva, portanto, quem passa por ali conseguiria ver toda a privacidade de um morador. Por causa desse desplanejamento, as janelas voltadas para o Elevado são todas vedadas ou foscas. Elas sugerem um silêncio incômodo, de uma cidade que se fecha.

No entanto, ao me voltar para quem passeava, percebi que havia muito a ser visto, muitas hitórias, gente que sai de casa todos os domingos pra levar o filho para passear, ou o cara que aproveita para se exercitar. Em um dos edifícios, um grupo de teatro apresentava um espetáculo para quem passeava ali que talvez nem precisasse existir. Apesar de não fazer sol, não sentir em nenhum momento o cheiro de protetor solar, nem ver ninguém de sunga, as pessoas estavam lá.

Acho que mudei pra São Paulo justamente por saber que aqui não tem praia, mas, surpreendentemente, encontrei na cidade o que tinha de favorito no Rio, a possibilidade de observar as pessoas no calçadão. O Minhocão – que talvez até vire parque – não tem a praia ao lado, tem muitas histórias, de alguns erros e de uma contradição barulhenta e cinza. Talvez sinta saudade dos bancos cariocas, mas confesso que ainda quero ver as pessoas que tomam sol no Calçadão Presidente Artur da Costa e Silva.

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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