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Tinha uma árvore no meio do caminho

 

Por Ana Carla Bermúdez

 

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Por enquanto, acho que eu escapei. Mas talvez seja só por enquanto, mesmo. Quando aqueles moços chegaram aqui, com seus capacetes de segurança sobre as cabeças e uma vontade incontrolável de seguir com a modernização e o avanço – sempre tão necessários -, pensei que seria o meu fim. Eu, que fui semeada, nutrida, cresci e floresci neste famoso quarteirão da rua Augusta entre a Caio Prado e a Marquês de Paranaguá, mas que nunca fui notada de verdade. Passei aqui minha infância e adolescência, me tornei um grande e maduro pé de jacarandá com galhos vistosos que alguma criança volta e meia gostava de escalar. Se servi de brinquedo, de abrigo para sabiás ou se fui apenas um enfeite, parece que nada mais disso importa. Hoje estou cercada, abandonada, ameaçada. Sou mesmo é um obstáculo, um verdadeiro pedaço de pau no meio do caminho.

O estado de São Paulo já foi só floresta, ocupado por uma variedade imensa de plantas e animais. Mas, com o tempo, os mais de 17 milhões de hectares de Mata Atlântica originais daqui se transformaram em menos de dois. E, apesar de fazer parte de um dos últimos respiros dessa vegetação, sigo ao relento. Construir torres luxuosas bem no coração da capital, para alguns, é muito mais vantajoso. Me utilizar como moeda de troca, então, é coisa corriqueira. “Constrói uma torre a menos ali, diz que vai deixar 60% da área pra uso público”, negociam entre eles. Ah, mas se dinheiro nascesse em árvores, a situação seria bem diferente…

Bom, eu também fui inocente por chegar a imaginar que poderia ser de outro jeito. Até houve um tempo em que éramos só nós, cedros-rosa, embaúbas, figueiras, jeribás e pitangueiras. Mas foi a civilização chegar que a chacina começou. Demos lugar às casas, que depois foram substituídas pelos prédios, e a coisa foi ficando tão absurda que até mesmo os prédios deram lugar a novos e mais modernos edifícios – e a shoppings, e a supermercados, e a condomínios de luxo, e a ainda mais shoppings, até chegar ao incrível número de existirem, hoje, 53 deles distribuídos pela capital. E eu cada vez mais cercada por olhares vindos de cima, cada vez mais encurralada. Mas, como de costume, jamais observada.

Chega a ser irônico eu estar, agora, dentro de um terreno cercado por tapumes de madeira. Madeira que pode ser de uma irmã minha que estava no quarteirão de baixo há uma semana ou até mesmo das senhoras cinquentenárias que foram cortadas do Vale do Anhangabaú há mais ou menos um mês, na calada da noite.

Um dia desses ouvi um pessoal conversando aqui perto dizendo que São Paulo tem, 111 parques e áreas verdes. A princípio, pensei que fosse um número razoável. Mas a questão é que, ao mesmo tempo, a cidade tem mais de 4100 hotéis, 6 mil academias de ginástica e 20 mil bares. É como se o cenário fosse o de um grande cemitério, onde os prédios são, na verdade, enormes mausoléus. E eu, ali no meio, sinto que sou a próxima detenta na fila do corredor da morte. Não é fácil sobreviver quando estamos cercadas: se estamos fortes, o progresso nos atropela; se estamos fracas, somos ameaças. Encontramos de tudo, menos misericórdia. A metrópole nos engole e não descansa nem mesmo quando o assunto é destruição.

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

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