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A morte é um negócio sério

 

Por Rafael Bahia

 

cemitério

Sua visão embaça. A imagem de sua família aos pés da maca é substituída pela

escuridão. A sensação de medo ante o desconhecido toma conta. Tudo o que você enxerga é

uma trêmula luz ao longe. Aos poucos, você não percebe mais seu corpo, não ouve mais o

choro dos que te amam, não sente o cheiro do vaso de rosas na cabeceira. Você morreu… Ei,

mas será que dá para virar o rosto só um pouquinho para a direita, porque esse lado não te

favorece?!

A morte se tornou um negócio lucrativo. Funerais antes feitos em casa, com flores

recolhidas pela criançada do bairro, tornaram­se incumbência de agências funerárias,

floriculturas, cemitérios e crematórios. Isso sem contar os coveiros, guardas de cemitério,

operadores de fornalhas e as famigeradas carpideiras. Essa indústria mórbida, como qualquer

outra, cresceu e hoje conta com serviços requintados, propaganda, concorrência e todas as

jogadas de marketing a que tem direito. Atualmente, o falecimento de um ente querido se

tornou um evento a ser organizado por buffets especializados e preços pela hora da morte

(com o perdão do trocadilho).

A tradição de dar um ar mais festivo às cucuias é presente em muitas culturas. O Día

de Los Muertos mexicano é muito mais animado que o nosso Finados; a cultura japonesa

também é mais receptiva em relação à morte. No interior da China, o Ministério da Cultura

tem feito esforços para reprimir a presença de strippers nos velórios. Sim, é isso mesmo. Já

na cultura geral brasileira, a morte sempre foi um tabu: o telefonema no meio da madrugada,

o gato que subiu no telhado… Mas essa postura de temor já está mais para lá do que pra cá.

O que tem gradualmente acontecido no Brasil é uma mudança de comportamento em

relação à morte, e isso se reflete no surgimento de casas como a Funeral Home, localizada

próxima à suntuosa avenida Paulista. “A ideia era fazer velórios estilo americanos, ou que

remetessem ao tempo em que se velava o corpo em casa”, diz Márcia Regina Pinto, gerente

da empresa. “A família entra em contato e nós fazemos toda parte de assessoria: pegamos a

declaração de óbito, levamos books com fotos de urnas e flores etc. A família, então, pode ser

dispensada e nós acompanhamos a remoção do corpo até o local do velório, fazemos troca de

roupas, higienização, maquiagem, ornamentação com flores, ou seja, tudo.”

Depois de sete dias úteis (e sete palmos abaixo da terra), toda a documentação de

cartório é entregada na residência da família. No entanto, há serviços mais emblemáticos que

explicitam essa nova maneira de encarar a morte: se solicitado, o evento pode contar até com

lembrancinha. “No caso de retrospectiva em vídeo, temos televisores e DVD em todas as

salas”, garante Márcia.

Para a gerente, a grande vantagem que alavancou esse business é a praticidade: “A

família não precisa se preocupar com nada, só em estar presente.” De fato, no momento de

uma dor tão intensa, há muito mais com o que se preocupar do que toda a burocracia e

planejamento. Aqueles que podem arcar com as despesas, preferem pagar não só pelo

necessário, mas também pelo sofisticado. Afinal, se um dia todos nós vamos abotoar o paletó,

por que ele não pode ser um Armani?

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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