Sua visão embaça. A imagem de sua família aos pés da maca é substituída pela
escuridão. A sensação de medo ante o desconhecido toma conta. Tudo o que você enxerga é
uma trêmula luz ao longe. Aos poucos, você não percebe mais seu corpo, não ouve mais o
choro dos que te amam, não sente o cheiro do vaso de rosas na cabeceira. Você morreu… Ei,
mas será que dá para virar o rosto só um pouquinho para a direita, porque esse lado não te
favorece?!
A morte se tornou um negócio lucrativo. Funerais antes feitos em casa, com flores
recolhidas pela criançada do bairro, tornaramse incumbência de agências funerárias,
floriculturas, cemitérios e crematórios. Isso sem contar os coveiros, guardas de cemitério,
operadores de fornalhas e as famigeradas carpideiras. Essa indústria mórbida, como qualquer
outra, cresceu e hoje conta com serviços requintados, propaganda, concorrência e todas as
jogadas de marketing a que tem direito. Atualmente, o falecimento de um ente querido se
tornou um evento a ser organizado por buffets especializados e preços pela hora da morte
(com o perdão do trocadilho).
A tradição de dar um ar mais festivo às cucuias é presente em muitas culturas. O Día
de Los Muertos mexicano é muito mais animado que o nosso Finados; a cultura japonesa
também é mais receptiva em relação à morte. No interior da China, o Ministério da Cultura
tem feito esforços para reprimir a presença de strippers nos velórios. Sim, é isso mesmo. Já
na cultura geral brasileira, a morte sempre foi um tabu: o telefonema no meio da madrugada,
o gato que subiu no telhado… Mas essa postura de temor já está mais para lá do que pra cá.
O que tem gradualmente acontecido no Brasil é uma mudança de comportamento em
relação à morte, e isso se reflete no surgimento de casas como a Funeral Home, localizada
próxima à suntuosa avenida Paulista. “A ideia era fazer velórios estilo americanos, ou que
remetessem ao tempo em que se velava o corpo em casa”, diz Márcia Regina Pinto, gerente
da empresa. “A família entra em contato e nós fazemos toda parte de assessoria: pegamos a
declaração de óbito, levamos books com fotos de urnas e flores etc. A família, então, pode ser
dispensada e nós acompanhamos a remoção do corpo até o local do velório, fazemos troca de
roupas, higienização, maquiagem, ornamentação com flores, ou seja, tudo.”
Depois de sete dias úteis (e sete palmos abaixo da terra), toda a documentação de
cartório é entregada na residência da família. No entanto, há serviços mais emblemáticos que
explicitam essa nova maneira de encarar a morte: se solicitado, o evento pode contar até com
lembrancinha. “No caso de retrospectiva em vídeo, temos televisores e DVD em todas as
salas”, garante Márcia.
Para a gerente, a grande vantagem que alavancou esse business é a praticidade: “A
família não precisa se preocupar com nada, só em estar presente.” De fato, no momento de
uma dor tão intensa, há muito mais com o que se preocupar do que toda a burocracia e
planejamento. Aqueles que podem arcar com as despesas, preferem pagar não só pelo
necessário, mas também pelo sofisticado. Afinal, se um dia todos nós vamos abotoar o paletó,
por que ele não pode ser um Armani?