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A [outra] morte do leiteiro

 

Por Maria Beatriz Melero e Otávio Nadaleto

 

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Houve um tempo em que o café da manhã era uma refeição feita com calma. Na mesa,

pão, queijo, manteiga, café e leite. Leite quente, que fora fervido após vir de longe, trazido

pelo leiteiro. Jornais, impressos, eram folheados, feitos por repórteres que, com suas

matérias, ajudavam a aumentar as vendas. Cartas eram esperadas. Cartas de parentes,

amigos e amantes… Entregues de porta em porta pelos carteiros, que conheciam nossos

nomes e nos recebiam com simpáticos “bons dias”.

Hoje, o desjejum é uma refeição rápida, feita às pressas, com sonolência. Um gole de café,

uma mordida no pão; um olho na tela do celular, nas mensagens do Facebook. Mudaram­se

os tempos e todas essas profissões já não gozam de tanta estabilidade. O leiteiro morreu,

porém não baleado, como cantou Drummond, e tendo sangue e leite misturados, “formando

um terceiro tom / a que chamamos aurora”. Ele morreu obsoleto.

Já o carteiro, ele ainda passa, mas não sabemos por quanto tempo. As constantes quedas

anuais de 5% no número de cartas postadas fazem com que as estimativas de retração do

mercado para essa profissão chegue a 28% nos próximos sete anos, segundo um estudo

da empresa de consultoria em empregos CareerCast. As cartas que chegam não são mais

de amor –  no máximo, contas ou publicidade. Por que aguardar semanas até que um

envelope – branco, pardo, amarelo – chegue a um amigo? WhatsApp não exige selos. É

sintomático que, hoje, 46% dos lucros da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos se

devam a atividades como compras pela internet.

“O homem cria a ferramenta. A ferramenta recria o homem”, dissera Marshall McLuhan.

Recriados, vemos as funções antes tradicionais desaparecerem ou se transformarem. Um

estudo, realizado pela Universidade de Oxford (EUA), constatou que 47% das profissões

correm risco de desaparecer devido ao surgimento de novas tecnologias. Houve mudanças

nas demandas do mercado. Passamos para uma cultura imediatista, em que tudo é “pra

ontem”. Se antes os jornais davam tempo para seus repórteres se debruçarem sob uma

pauta, hoje vemos, inclusive, softwares que fazem textos sozinhos e em tempo recorde. Os

cartórios e escritórios, antes dominados por datilógrafos, hoje contam com um ou dois

funcionários que fazem tudo e mais um pouco com um simples computador. Em função

disso, muitas pessoas se veem forçadas a mudar os rumos de suas carreiras.

Flávia Sanchez é uma delas. Muito antes do Word Office se popularizar como editor de

texto, ela se dedicava a ensinar datilografia para jovens por volta de seus 12 anos. Quase

vinte anos após mudar de carreira, as batidas metálicas no teclado, repetidas à exaustão,

ainda reverberam em sua cabeça sob a forma de cinco letras: “A, S, D, F, G / A, S, D, F, G /

A, S, D…”. A Olivetti 82 virou peça de decoração em seu escritório.

“Eles aprendiam a fazer ofícios, cartas, atas… todos os concursos públicos tinham alguma

fase que era em máquina de escrever”. Com tempo contado e vendo apenas o que surgia

no papel, os alunos eram submetidos a avaliações. Se bem sucedidos, terminavam o curso

com diploma nas mãos e portas abertas.

Mas na virada do milênio, a migração para os computadores tornou­se inevitável. Nesta

época, a internet no Brasil começava a engatinhar. Com pequenos passos, ainda

desajeitados, caminhava para se tornar, aqui e em todo o mundo, uma ferramenta

hegemônica. Através da rede, novas empresas surgiram, habitando o mundo virtual. Dela,

todo um novo ramo de profissões iria eclodir.

“As novas profissões estão buscando alternativas ao que já foi estabelecido, então

pressupõem avanços nas relações das tarefas com as pessoas”, explica Allan Gonçalves,

brand manager da Oppa, empresa brasileira de design de móveis que atua sobretudo na

área de e­commerce. Sempre conectado, ele esteve por mais de dois anos no Kekanto, um

guia colaborativo de serviços. Na start­up, além do cargo de brand manager, chegou a

acumular funções de gerente de parcerias e community mannagement (CM). Esta última, inclusive, tende a ganhar espaço no mercado. Os CMs, ou Gestores de

Comunidade, são responsáveis pela comunicação com os consumidores da empresa

através de blogs, fóruns e redes sociais. Como uma espécie de “eu­lírico”, eles são as

vozes por trás das telas de computador. Quase invisíveis, compõem parte da imagem da

empresa para o público. Imagem esta que deve ser preservada a todo custo, sobretudo dos

ataques públicos – e virais – dos implacáveis consumidores.

Seguindo na mesma direção, a internet também se mostra como alternativa para a

publicidade. A cada clique em ads (propaganda) hospedados em sites, estes lucram uma

porcentagem sobre elas. Para 2015, a Interactive Advertising Bureau , uma associação de

empresas do mercado de mídia interativa, estima que os gastos com publicidade digital

cheguem a R$ 9,5 bilhões. Também foi com a  internet que surgiram as mídias sociais,

como o Facebook. Com efeito, cada vez mais as marcas investem em plataformas digitais. Embora ainda não

se possa afirmar com segurança que há estabilidade no cenário empregatício mundial, é

certo que ainda podemos crer na expansão dos cargos ligados à internet. Enquanto

assistimos a este espetáculo, um tanto encantados, um tanto bestializados, aproveitamos

para sorver um gole de café. Na pressa, frio e puro – sem leite. O verde no semáforo indica:

podemos seguir. Ou seria o verde de mais uma notificação no celular?

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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