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Empregado? Desce!

 

Por Thiago Neves

 

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No  dia  27  de  abril se  comemora  o Dia  da Empregada Doméstica,  uma  dessas  datas  na  que  a

minoria  recebe  uma  pequena  parcela  do  respeito  ­  e  reconhecimento  ­  que  lhe  é  negada  nos

outros dias do ano. Em comemoração a esse dia, uma empresa de produtos de limpeza publicou

uma campanha publicitária bastante despretensiosa, na qual uma mulher negra, vestida com um

uniforme de doméstica, sorri ante uma cozinha limpa. A fotografia não choca; o que incomoda é

a enorme quantidade de coisas não ditas.

Profissões como empregadas domésticas, ainda muito presentes no Brasil, trazem consigo uma

série  de  heranças.  Durante  o  processo  cultural  deste  ofício,  estabeleceu­se  uma  relação  de

subserviência, do estabelecimento de uma hierarquia, manifestada por comandos, desencadeando

em  uma  obrigatoriedade  de  respeito  unilateral,  no  caso,  do  empregado  em  relação  ao

empregador. Há  exceções,  evidente. Mas seria desonesto negar o quão poderosa soa  a palavra

patrão no Brasil.

Dentro do  cotidiano, no qual o sujeito tem  contato  com informações  constantemente,  é sabido

que  ainda  há  no  mundo  episódios  nos  quais  grandes  empresas  são  denunciadas  pelo  uso  de

trabalho  escravo  análogo,  como  o  aconteceu  com  a  rede  de  fast­fashion  espanhola  Zara,  em

2011.  A  repercussão  do  ocorrido  alcançou  os  grandes  meios  de  comunicação,  felizmente,

desencadeando em críticas à grife, ameaças de boicote e maior fiscalização na linha produtiva da

Zara. Instituições especializadas no combate ao trabalho escravo alertam que a prática é muito

mais disseminada do que se imagina, ou seja,  a  exploração institucionalizada do trabalhador  é

muito mais comum do que parece.

Não se trata de uma avaliação sobre as consequências de uma relação de subserviência, na qual o

trabalhador  é  imerso  em  um  ambiente  inóspido  e  absolutamente  degradante.  Entretanto  é

indispensável propor o debate sobre as origens dessa noção que permite que o dono dos meios de

produção se sinta no direito de minimizar a humanidade do empregado. Seja nas confecções em

São Paulo nas quais diversos imigrantes bolivianos são submetidos a jornadas exaustivas, ou em

prédios  nos  quais  as  empregadas  domésticas  devem subir  no  elevador  de serviço,  junto  com

animais e cargas, ou seja, com tudo aquilo que não pode frequentar o espaço social.

Por trás dos despercebidos atos está um processo cultural perverso, que age no comportamento

cotidiano, refletido  numa  permissividade  vil  que, por sua vez,  estabelece­se  de maneira sólida

como uma indignação seletiva, onde discute­se, exclusivamente, os sintomas da doença. A causa,

portanto,  permanece  intacta.  A  indignação  é  justificada  ante  o  caso  Zara,  por  exemplo;  no

entanto,  não  há  a  menor  problematização  sobre  os  abusos  comportamentais  em  profissões

cotidianas.

O  desrespeito  ao  indivíduo  ocorre  em  atividades  corriqueiras,  e  aparentemente  inofensivas.

Como a realidade do porteiro, que deve estar sempre alerta, sendo impedido de deixar seu posto

sob  a  ameaça  de  alguém  chegar  e  não  admitir  esperar  que  o  empregado  vá  ao  banheiro.  Ou

quando  domésticas  são  proibidas  de  comer  certo  tipo  de  alimento  disponível  na  casa  onde

trabalham. Afinal, quem não frequenta o elevador social, também não deve poder experimentar

da sobremesa, ou ir ao banheiro quando tem vontade.

O que incomoda, na histórica ­ e atual ­ composição social é unicamente aquilo que não atinge os

privilégios de quem não deve obediência, de quem domina. Problematizar a desumanização de

quem é mais pobre tem como reflexo a notória necessidade de se rediscutir o quão cômoda é a nossa vida e o quão fácil é se indignar apenas com o que nos é conveniente.

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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