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Eu não quero ir

 

Por Júlia Pellizon

 

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“Eu  ficava  falando  para  mim:  ‘Eu  não  quero  ir,  eu  não  quero  ir,  eu  não  quero  ir’. Aquilo  ia  crescendo

dentro do peito, dando uma angústia. Eu respirava e não enchia o peito”.

Apenas a lembrança faz com que Rita Beatriz Boranga se emocione ao retornar àquele período. Com 25

anos na carreira de magistério, ela trabalhou, de fato, durante 21 anos. Por quatro deles, afastou­se das

salas de aula pelo pavor que sentia ao entrar em contato  com o ambiente de trabalho. Professora de

Química de uma escola estadual no bairro da Mooca, na Zona Leste de São Paulo, Rita Beatriz sofria de

uma  série  de  sintomas. Tontura,  transpiração  excessiva  e  até  diarreia  eram  as  manifestações  físicas,

porém, psicologicamente, sentia­se ainda pior.

Entre 2005 e 2006, ela descobriu a causa: era o próprio trabalho. A professora desenvolveu uma doença

do trabalho, quadro em que o paciente adoece por condições múltiplas presentes no meio de ofício e é

geralmente marcado por depressão e ansiedade. No caso de Rita, os porquês do estado de estresse e

humor  deprimido  se  explicavam  pela  pressão  e  recente  relacionamento  conturbado  com  colegas  e

alunos, diferente do ambiente tranquilo dos anos anteriores. “Eu tinha certeza de que era por causa do

trabalho. Perseguição da direção, coordenação e de alguns professores era intensa. Fora que a sala de

aula não é fácil. O aluno não respeita, não tem interesse, é indisciplinado. Junta tudo em um pacote só”,

explica a professora.

Rita  custou  para  admitir  a  necessidade  de  apoio  profissional.  “De  primeiro  momento,  eu  não  quis

procurar. Achei que não fosse importante, porém chegou um ponto em que eu não entrava na escola e vi

que precisava de ajuda”, conta. Como no caso dela, a demora para a busca de assistência é comum em

pacientes  que  convivem  com  tais  problemas.  Isso  porque  reconhecer  a  presença  de  uma  doença

psicológica  desenvolvida  por  causa  do  trabalho  carrega  um  estigma  social,  de  acordo  o  médico

especialista  em  Medicina  do  Trabalho,  João  Silvestre.  “O  que  chamamos  de  nexo  causal,  isto  é,  a

relação entre a doença e a exposição a um ambiente de trabalho com problemas, deveria ser discutido

com mais frequência, visto que a pessoa passa muitas horas da sua vida trabalhando”.

O ponto decisivo para enfrentar o estigma veio em mais um dos dias difíceis e angustiantes de Rita. “Eu

passei tão mal que eu não conseguia dirigir. Eu tinha medo, pegava o carro e parecia que tudo estava

vindo em  cima de mim”. Foi quando ela foi atrás do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador,

uma unidade do Sistema Único de Saúde. Assim que chegou, foi atendida pelo serviço de enfermagem e

depois por uma psicóloga. “Nunca vou me esquecer do que ela disse: ‘Rita, você está em um grau de

estresse  tão  grande  que  você  vai  continuar  aqui  até  você  melhorar  e  a  gente  conseguir  um

encaminhamento  para  um  médico  particular  ou  no Servidor Público.  Do  jeito  que  você  está,  não  tem

condições de trabalho’”, relata a professora.

Até 2020, a Organização Mundial da Saúde prevê que os quadros mentais sejam a principal causa de

afastamento do trabalhador. Durante os quatro anos em que esteve longe do ofício na escola estadual,

Rita  frequentou  especialistas  como  psiquiatras  e  psicólogos.  Nos  primeiros  meses  com  o  tratamento

corriqueiro  para  depressão,  adaptou­se  às  doses  de  fluoxetina,  antidepressivo  receitado  para  a

professora. Os momentos especialmente críticos exigiam porções maiores do medicamento. “Às vezes

eu parecia um zumbi, porque era uma quantidade cavalar. Praticamente não tinha reação. A Rita estava

escondida atrás do remédio”.

Já se passaram dez anos desde o início da doença. Rita Beatriz retornou à escola estadual que teve de

abandonar,  como  professora  readaptada  desde  o  dia  4  de  maio  de  2011.  Atualmente,  por  escolha

própria, trabalha na Sala de Leitura do colégio. Mesmo com a volta à atividade, ela analisa: “Sarei? Não,

não sarei. Eu não sei se tem cura, não”. Em conjunto com a psicóloga que frequenta, nas sessões às

sextas­feiras, a professora encontra o caminho em exercícios diários para lidar com os medos. “Voltei

firme,  forte,  mas  não  curada.  Eu  ainda  tenho  dores  de  estômago,  estresse  e  sofro.  Tenho  aqueles

sintomas, só que hoje encaro e respondo de outra forma”.

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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