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A distopia do jornalismo

 

Por Fernando Magarian

 

Uma crítica escrita por um estudante no futuro

Distopia do jornalismo

Escrevo o presente texto para expressar minhas angústias (e, quem sabe, apontar um caminho para supera-las). O mundo é um lugar efetivamente angustiante. Em todos os cantos está presente a barbárie, única filha legítima do processo de desenvolvimento do capitalismo. Há muito que dizer sobre isso. Mas não há espaço. A minha crítica, portanto, terá um recorte: a faculdade de jornalismo.

 

A universidade se tornou um garrancho desagradável em um mundo irracionalmente organizado, e com ela a faculdade de jornalismo. Não que ela já tenha alguma vez sido um espaço verdadeiramente emancipador: não foi. Mas ao menos já possuiu, há muito tempo, um projeto civilizatório e de desenvolvimento do conhecimento – ainda que um conhecimento perverso, a serviço da conservação da exploração das classes dominadas pelas classes dominantes. Não. A universidade, hoje, sequer produz qualquer coisa que se pretenda progressista. Ela pode ser reduzida a uma máquina de modelar jovens trabalhadores especializados.

 

A primeira escola de jornalismo do mundo foi fundada há muito tempo, em 1869, nos Estados Unidos. Se propagou em seguida pela Europa (1920 na Inglaterra), e a primeira brasileira data de 1947. O propósito era ensinar o ofício jornalístico, suas técnicas e suas teorias aplicadas à prática – uma proposta tecnicista portanto. Mas como se sabe, ao se inserir nas faculdades de ciências humanas propiciou, como esta área do saber no geral, a produção de conhecimentos sociológicos, propostas de novas teorias e saber acadêmico.

 

Nem isso, no entanto, restou. Como o resto das escolas de ciências humanas, a faculdade de jornalismo degenerou em uma escola técnica. O pouco espaço de experimentação e produção de novas formas e novos conteúdos de outrora foi gradualmente extirpado do espaço acadêmico. O imperativo hoje é claro: formar mão de obra para o mercado. As disciplinas são criadas e ajustadas pelo que o mercado precisa – e, inversamente, pelo que  “o estudante precisa para estar no mercado”.

 

Pouco importa que o curso é jornalismo: é preciso obrigar seus matriculados a aprender assessoria de imprensa, porque é isso que o mercado reserva. Nenhum problema em grandes editoras utilizarem o aparato estatal da universidade para fazer verdadeiros cursos de capacitação de estudantes para trabalhar em suas próprias redações. Nenhuma contradição entre a crítica rasa ao “mau jornalismo da grande mídia” e a legião de professores que são na realidade jornalistas da grande mídia.

 

Esqueçamos experimentar métodos e formas. Esqueçamos discutir conceitos: a faculdade de jornalismo é a própria negação dos conceitos. Nada se problematiza ou se discute a fundo – não há tempo para isso, é preciso “aprender a técnica” e “exercitar as relações de hierarquia”. Por trás de um discurso difuso de progressismo e “bom jornalismo”, a faculdade de jornalismo tem medo de discutir jornalismo. Nela só cabe o projeto de jornalismo (arcaico e perverso) sob o qual foi concebida.

 

E ela não pensa duas vezes na alegada “liberdade acadêmica” antes de recorrer às hierarquias e micropoderes burocráticos para suprimir qualquer tentativa de feitio de alguma coisa diferente do que está escrito no intocável e inquestionável Manual do Bom Jornalismo™ – e nisso recebe o apoio entusiástico de uma parcela de estudantes a mais reacionária, tão imersa no burocratismo que se escandaliza com a menor experiência de democracia dentro da faculdade.


Não é à toa – embora seja risível – esta reação histérica da faculdade a diferentes concepções de jornalismo. Questionar (e combater) as bases ideológicas da instituição, isto é, produzir algo diferente do que está programado, é ameaçar a existência da própria instituição. Mas não nos acanhemos: nada de bom pode sair do que é hoje a faculdade de jornalismo. Não há porque temer seu fim. Em verdade, este lugar está morto há muito. Deste prédio frio e putrefato, deste projeto perverso eu só posso querer uma coisa: a destruição. E, com sorte, talvez desta carcaça falida possa nascer uma faculdade com vida.

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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