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Joga pra mim

 

Por Marcela Campos e Sérgio de Oliveira

 

 

 

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Quando a Tauane abriu o jogo… Ai.

 

Tem quem vá todo mês, tem quem vá todo ano, tem quem vá uma vez na vida e saia correndo de medo ou extasiado de admiração. Não tem curiosidade que não acenda quando, andando na rua, achas aquele papelzinho sobre teus pés, grudado ao chão da calçada “Mãe Flávia, tarô e amarração” ou “Trago teu amor em três dias”.

 

Mas não é só isso, não, minha gente. Cartomante é assim: descobres umas paradas e vais mais leve lidar com o possível. O profissional está ali pra te guiar, ajudar, segurar tua mão, sabes? É um serviço, mas é também um carinho  – que pode até entrar no orçamento mensal.

 

Trinta reais é o preço da consulta da Tauane. Ah, tão atenciosa, ela explicou: não se abre a mesa sem algo em troca. Cada cartomante faz o preço que quiser. O que não pode é fazer disso abuso se te faltam as faculdades mediúnicas, se cobras valores injustos… ficas bloqueado! Se quem está procurando ajuda não pode pagar, pede-se o simbólico: que seja uma troca, um escambo, centavos. Não se abre a mesa sem algo em troca.

 

Nem todo mundo sabe ao certo qual foi o tipo de baralho que leu seu futuro. Tauane diz que há muitos. Só não infindos porque, sabes, essas coisas, esses números, têm fim. O que ela usa é o tarô dos orixás – puxa pro seu lado umbandista. Mas tem outros, sim! Tem o mitológico, o egípcio e tem até o mother peace, só para mulheres.

 

Diz o nome: baralho cigano. Não é tarô. Pra ser, tem que ter 72 cartas. Quem joga o cigano é a Babs. Ela disse que é bem mais intuitivo, mas cada cartomante lê com o que melhor se escreve aos seus olhos.

 

Imaginas ler 72 cartas? A cartomante explicou: mesmo que tenham nomes diferentes, as cartas têm significados equivalentes em todos os tarôs. Exemplo: a morte, no Mitológico, é Hades. Ainda tem que se atentar à posição. Esta carta do lado daquela pode significar algo diferente desta mesma carta do lado daquela outra.

 

Ela é autodidata. Aprendeu em algumas semanas. O Kael, que é também professor, contou pra ela que já conseguiu ensinar alunos em um mês, mas que tem educandos que tentam há mais de dois anos e não conseguem ler nada com clareza. Mediunidade? Sensibilidade?

 

Também dá pra cursar em escola específica. A Debora Helena fez isso. As aulas duraram um ano na sua escola e ela fez juntinho com o curso de Astrologia, que durou três. Não é à toa que cartomantes acertam.

 

É claro que queres saber o que há de positivo quando procuras saber teu futuro. São tantas perguntas… Tauane contou que pergunta de amor é batata. Todo mundo quer saber, né? Pergunta sobre família também tem muito: vai ficar tudo bem? Vamos parar de brigar? E crees que tem gente que já vai com uma situação específica em mente, buscando respostas? É especialmente pra esses que o cartomante deve dar conforto. Não no sentido de contar mentiras, sabes? Ou deixar de dizer que coisas ruins podem acontecer. Não é isso. Mas que saber o que está por vir nos dá melhor chance de nos preparar…ah, dá!

 

Ceticismo nas cordas

Um relato de Sérgio Rodas Borges Gomes de Oliveira

 

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Não estava interessado em ouvir suposições sobre meu futuro profissional, amoroso ou familiar. Mesmo cético assim, resolvi encarar uma cartomante, por causa da experiência antropológica. Marquei uma consulta com a Dona Júlia após achar um papelzinho surrado na calçada, no qual estava escrito que “ela lhe revelará os fatos mais importantes da sua vida” e que “uma nova tentativa pode mudar a sua vida”. Para a minha surpresa, ela era uma mulher jovem, vestida com trajes esportivos, sem nenhum colar ou pulseira, e que não correspondia à minha imagem de uma mística à la Mãe Joana. O arejado apartamento dela tampouco parecia com os consultórios de videntes retratados na cultura popular. A decoração se resume a amuletos de diversas culturas em cima da mesa.

 

Ao me sentar em frente à Dona Júlia para começar a consulta, notei que já não estava tão relaxado. Talvez por perceber o desconforto de ter o meu futuro, mesmo que imaginário, revelado. A cartomante começou a embaralhar as surradas cartas do tarô egípcio – que não é ligado a nenhum culto – enquanto solicitava meus dados básicos. Depois de me pedir para cortar o baralho, ela passou a dispor as figuras em fileiras de sete. Após examinar o quadro que compusera na mesa, Dona Júlia afirmou que, na parte profissional, eu estava com “depressão espiritual”. Eu franzi a testa para esse diagnóstico, uma vez que nunca me senti tão motivado com um trabalho como agora. Ela então me alertou de um colega que quer tomar o meu lugar. Fui à sessão prevenido das previsões genéricas, mas, ao ouvir uma que possa se encaixar na sua vida, é difícil não a ligar a uma situação semelhante que enfrente. Perguntei se teria sucesso na minha carreira. A vidente respondeu que “o sol da esperança brilha para você, mas é preciso sair da sua torre para alcança-lo”.

 

Em seguida, ela passou à análise amorosa. Disse que eu precisava acabar com as intrigas que prejudicam o meu namoro, e apontou que eu estava dividido entre duas mulheres. Diante da minha negação veemente, Dona Júlia mudou o tom de sua leitura. Garantiu que eu e a minha namorada formávamos um casal muito forte e unido, e que isso provocava inveja nos outros. Não pude evitar um sorriso. A cartomante percebeu isso, e, depois de olhar para uma carta que retratava um caminho em uma pradaria, disse que nós tínhamos uma longa jornada juntos pela frente.

 

A próxima parte foi a das perguntas. Meu pai foi o alvo da minha primeira dúvida. Entre as sete cartas que escolhi às cegas, havia uma com um caixão e uma com uma árvore solitária em um campo aberto. Ao ler essas figuras, Dona Júlia abaixou a cabeça e previu que iria acontecer algo “muito, muito ruim” com ele. Meus batimentos cardíacos foram a mil. A essas alturas, tinha jogado todo o meu ceticismo de lado. Estava preocupadíssimo com o destino do meu pai, que fuma muito e ignora meus pedidos para quitar esse vício e consultar médicos.

 

Mesmo inquieto e com receio das respostas, inquiri Dona Júlia sobre os demais familiares, mas nenhum prognóstico foi positivo: minha mãe passará por uma grave crise com seu marido, meu irmão escapou por “um triz” de algo “bem ruim”, e minha irmã terá um relacionamento sofrido.

 

Voltei a perguntar sobre a minha namorada, desta vez priorizando sua vida profissional. A previsão foi que ela atravessará um período financeiramente difícil, mas depois se restabelecerá. Essa foi a leitura mais acertada da noite, já que viajaremos para os EUA em dezembro e o dólar a R$ 4 está punindo nossas carteiras. Depois disso, Dona Júlia encerrou a sessão. Saí do prédio e logo comprei duas cervejas na vendinha do outro lado da rua. Afinal, o ceticismo não está imune a questionamentos.

 

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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