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As crianças e a rua

 

Por Quefren de Moura

 

 

ilustração brincadeira de rua3

Cinco e meia da manhã. Levanta num pulo e, depois de um banho, começa a se aprontar. Amarra a tira da sandália, ainda sonolenta. Por qualquer razão isso lembra sua infância, quando amarrar o tênis era requisito para brincar na rua — garantia de que não tropeçaria ao correr, empinar pipa, jogar taco ou “pular carniça”. Só uma criança desavisada faria isso de cadarços frouxos ou desamarrados! Balança a cabeça e ri sozinha. Não está de saída para brincar, mas para trabalhar.

 

Diante do espelho, contorna os lábios com um batom discreto e fita seu rosto adulto.  O tempo passou! Enquanto termina de se arrumar, divide com o marido sua nostalgia: “Estava aqui pensando… como era bom brincar na rua, né?” Ele sorri. “Não tinha tanto carro como hoje.” Gargalham ao lembrar das brincadeiras que faziam, como o pique-esconde. No último segundo, sempre tinha alguém que “salvava o mundo” e fazia a mesma criança bater cara outra vez! Costumavam brincar por horas, até cansar, até a camiseta molhar de suor e a pele gelar com o vento! E isso não era problema algum. Que tempo bom! Ela borrifa um perfume doce.

 

Da cozinha, apressa os dorminhocos: “Tá na hora, meninos!” Logo, dois pequenos zumbis descem as escadas se arrastando. Como conseguem caminhar, sentar e até comer de olhos fechados? “Tô com sono, mãe!” Depois do café, todos se despedem e ela voa até o carro. Já sentados no banco de trás, com o cinto afivelado, os pequenos parecem bem mais acordados. “Ei, espertinhos! Nada de celular a essa hora! Quero saber se andam estudando para as provas do fim do mês.” “A gente tá estudando, mãe!” Eles não desgrudam  o olhar do joguinho. “Desliguem!” Mais resmungos e reclamações, até que eles se rendem: “Tá bom, mãe…”  

 

Ultimamente os filhos dela têm se divertido quase só com a TV, o computador, os smartphones e o video game. No prédio onde moram há tudo o que as crianças poderiam querer: piscina, playground, quadra poliesportiva e até brinquedoteca. Só que, como a maioria, eles quase não descem para brincar. Os pais não têm muito tempo para levá-los, mesmo sabendo o importante que é fazer amigos, ser criança e se divertir. Mas hoje os tempos são outros…

 

 

Chegam à porta da escola. Os meninos descem do carro e ela continua seu caminho (não sem antes ganhar beijos, abraços e até mais tarde, mamãe). O dia será longo.

 

Seu celular vibra. Cinco da tarde! Ela nem viu o tempo passar! Solta os cabelos e suspira.

 

Na volta, o tráfego é de chorar. Distraída, olha para o lado e percebe crianças, de pés descalços e rosto sujo, vendendo balas no farol. Ela vê a feição doída de meninas e meninos obrigados a crescer. Pensa na sua infância. A rua, antes tão convidativa, hoje machuca a infância. Uma melancolia invade seu coração. Acelera, mas a tempo de ver um dos garotos chutando sozinho uma garrafa “pet” amassada, driblando uma “zaga” invisível e fazendo um gol de placa entre as árvores da calçada. Luzes piscam na avenida barulhenta. Os carros se movem enquanto a noite vem.  

 

Estaciona o carro e entra em casa. Joga a bolsa de canto e vai para a cozinha. Como de costume, a essa hora ela sabatinaria os filhos se fizeram a lição de casa, como foi no karatê, se aprenderam algo novo no inglês, e a aula de guitarra? No entanto, ela faz diferente. Larga tudo e corre até a sala. Agarra os meninos pela barriga, arrancando-os da televisão, e os joga no sofá. Mudança de planos: hoje, depois do jantar, vão brincar de cabra-cega! “Não vale roubar!” O marido se junta ao trio. Entre cócegas, risadas e gritos, os meninos recordam: “Mas, mãe! Nós já tomamos banho! E se ficarmos suados para dormir?” Ela olha para os filhos. São crianças! Então responde com um sorriso matreiro: “Suados? O que tem de mais?”

 

 

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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