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“Você pode parar com esse barulho?”

 

Por Dimítria Coutinho

 

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Ao que Fabiane se lembra, começou quando ela tinha seis ou sete anos. A irritação com os barulhinhos que o irmão fazia quando criança acabou se intensificando ao longo da vida. Choro, desespero, dor no corpo, falta de ar e taquicardia são alguns dos sintomas que ela sente ao ouvir alguém fazendo um pequeno barulho – mas que para ela não é tão pequeno assim. Agora com trinta anos, ela descobriu, há dois, que o que sentia tinha nome. A doença se chama misofonia e, antes de saber disso, Fabiane era só taxada de “louca”, estressada e mau humorada. De fato, são poucos os médicos que sabem do que se trata.

 

A pesquisa em torno da doença é realmente recente; foi descrita pela primeira vez em 2001, por isso o grande desconhecimento. Trata-se de uma reação extremamente forte e inconveniente quando o paciente escuta determinados sons. Chiclete, clique de caneta, som de teclado, respiração alta, salto alto batendo no chão, batuque na mesa… cada misofônico tem sua seletividade.

 

Silvana, de cinquenta anos, sente as mãos tremerem e suarem; o desespero é quase que automático. Ouvir alguém mascando chiclete é quase que uma tortura. Os barulhos da última vizinhança a fizeram mudar de um apartamento para uma casa. Não que ela tenha deixado de se incomodar: o chuveiro do vizinho é ouvido por Silvana a seis metros de distância da sua lavanderia. Mas os ensaios do filho músico nunca a incomodaram.

 

Isso ocorre porque os misofônicos se incomodam justamente com os sons baixos. A doença, porém, pode se relacionar a outros distúrbios, como a hiperacusia, a fonofobia ou o zumbido. A primeira se refere aos sons médios e altos; a segunda, ao medo do som; e a terceira, a sons que vem de dentro da pessoa. Pacientes com misofonia não têm problemas nos ouvidos, mas a via auditiva é mais sensível a sons. Não é um defeito, mas sim uma característica; é como a relação dos olhos azuis com a luz forte.

 

Forte como os efeitos da misofonia nas vidas dos que a têm. Os sintomas fizeram com que Isabella, de 20 anos, tivesse que se afastar de uma amiga próxima, porque os barulhos produzidos pela colega com rinite a incomodavam muito. Ao contrário de Fabiane, Isabella nunca foi chamada de louca; isso porque ela sempre reprimiu muito as sensações ruins, o que acabou deixando-a muito ansiosa e deprimida. A intensidade da misofonia de Isabella é tão grande que, atualmente, ela faz cursinho online por não suportar aulas presenciais. “Para mim, a doença é acumulativa. Não tem um barulho que antes me incomodava e hoje não me incomoda mais, sabe? Só vai crescendo, e parece que não volta pra trás”.

 

E é verdade. 90% dos casos de misofonia têm início na infância ou na adolescência e, a partir disso, a previsão é ou estabilizar ou piorar, acumulando sons irritantes. Voltar atrás está fora de cogitação nessa doença, a não ser através dos tratamentos. Estes, porém, ainda são pouco comprovados como certeiramente eficazes, devido ao pouco estudo a respeito da síndrome.

 

O lado bom é que a divulgação da doença está tomando proporções maiores: as pesquisas estão crescendo, o jornalismo está comentando mais, os misofônicos estão se unindo – o grupo Misofonia em Português, no facebook, já tem mais de dois mil membros. Como bem resumiu o misofônico Lucas*, “sem dúvida alguma, é muito bom saber que eu não sou o único ‘implicante’ no mundo”.

 

 

*Nome fictício.

Fonte das informações técnicas: Tanit Ganz Sanchez, otorrinolaringologista e especialista em Misofonia.

 

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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