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Filho que não chega

 

Por Vitoria Batistoti

 

 

 

 

 

 

À espera de filhos desaparecidos, mães vivem luto inacabado

 

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Até o dia 23 de dezembro de 1995, Ivanise Esperidião da Silva, hoje com 54 anos, se considerava uma mulher feliz: tinha uma família completa, com marido e duas meninas bonitas e inteligentes, como ela mesma descreve. Naquela véspera da noite de Natal, sua filha mais nova, Fabiana Esperidião da Silva, de 13 anos, acompanhada de uma colega que morava em sua vizinhança, saiu para visitar outra amiga da escola que fazia aniversário, a 120 metros de distância de sua casa. Juntas, foram cumprimentar a aniversariante rapidamente e juntas também voltaram, até se separarem e cada uma seguir o destino para sua casa.

 

Desde então, Fabiana nunca mais voltou. “Foi neste trajeto que ela desapareceu e minha vida se transformou em um pesadelo”, relembra. À sua porta, bateu o desespero e o desamparo. Uma mãe nunca está preparada para perder seu filho e dizer adeus. Uma fatalidade que distorce a ordem natural da vida e leva os pais a enterrarem um filho dói, o falecimento é acompanhado por um período de luto. Entretanto, quando o filho desaparece é muito pior. “Eu vivo a dor da incerteza, um luto inacabado”, revela Ivanise.

 

Em sua busca por respostas, atestou a indiferença dada ao assunto pelo Estado e pelos veículos de comunicação ela própria nunca havia ouvido falar em desaparecimento na TV. Quando foi à delegacia registrar o boletim de ocorrência, ouviu do delegado: “Volte para casa, isso é coisa de adolescente. Até o amanhecer ela volta”. À altura da dor no peito e da ferida recém aberta, ela retrucou: “Doutor, se fosse seu filho, você esperaria?”

 

Na manhã do dia 24, saiu novamente em busca do delegado e aguardou 3h30 para ser dirigida a outra delegacia que, à tarde, estava fechada, assim como no dia 25. “No dia 26, eu já tinha procurado minha filha em praticamente todos os Institutos Médico Legais (IMLs) e hospitais da capital”. Cada minuto importava, trazia consigo as hipóteses e a dúvida: o que fizeram com ela? De sua dor e das incertezas, ela fez luta e ajudou a fundar a ONG que atualmente preside, a Mães da Sé, onde ajuda outras mães desamparadas que vivem a mesma situação.

 

Em 2011, no Brasil, uma pessoa desapareceu, em média, a cada 11 minutos*. Esse e outros dados, no entanto, são incertos e possivelmente menores do que os números reais, pois até os dias de hoje não há um cadastro nacional unificado. Ainda que órgãos governamentais criem ferramentas, estas fracassam, principalmente pela falta de comunicação entre os estados e de um sistema que integre todos os casos, além da demora no início das investigações.

 

Desamparadas pelo governo, as mães encontram força umas nas outras, em ONGs e iniciativas sociais. Esse é o caso de Sandra Moreno, mãe de Ana Paula Moreno, desaparecida em 3 de outubro de 2009. “Incapaz, impotente, às vezes inútil”, como revela se sentir por não ter conseguido proteger sua filha, Sandra divulga o projeto de lei nº 463/2011 que propõe mudar a negligencia do Estado perante a causa. No entanto, para ser apresentado ao Congresso Nacional, o projeto precisa de 1 milhão de assinaturas, número que a princípio pode parecer absurdo, mas é ínfimo se comparado a 20, quantidade de anos que Ivanise tem esperado por Fabiana.

 

“Não tem um só dia que eu não me lembre dela e tem dias que a saudade parece que é maior, tem dias que eu acordo sentindo o cheiro dela, como se ela estivesse comigo”. Hoje, hipertensa, diabética e já tendo sofrido três infartos e duas paradas cardíacas, o que a motiva a continuar a lutar é a esperança de encontrar sua filha. “O dia em que eu perder a esperança eu morro”.

 

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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