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Mas as pessoas na sala de jantar

 

Por Matheus Pimentel

 

sala de jantar

Cheguei no horário costumeiro, mais cedo que os demais. Embora a casa da minha vó, de pintura amarela, não se destacasse na rua, no primeiro domingo de cada mês não tinha como passar despercebida. Nos tempos áureos, o movimento e o número de carros estacionados denunciavam um baita almoço em família.

 

Logo me dirigi à cozinha, sentindo o aroma cada vez mais intenso. Lá estava a dona da casa em uma cena que eu já havia visto centenas de vezes, temperando a carne moída, que chiava na panela. Chegou na hora certa, me passe o saleiro. Passei. Vou colocar pouco, seu pai não pode comer muito, coitado, tem pressão alta. Como se eu não soubesse.

 

Ela recusou minha ajuda, como sempre, e me sentei a observá-la. As mãos já não tão ligeiras ainda davam forma à lasanha. Célia vai trazer as crianças? Não sei, vó. Eu sempre disse pro seu tio arranjar outra mulher, depois que ele se separou mal vi os meninos. Ela tem raiva da gente desde que soube da traição. Era pra ter arranjado outra, eu disse a ele.
Meio-dia, vi nos ponteiros. Ah, ponha a mesa, por favor. Quantos pratos? Ela abriu o forno e depositou a enorme lasanha. Coloque uns vinte. Tá certo. Aproveite e ligue a TV, odeio esse silêncio. Lá da sala, ouvi um chamado. Venha cá, olhe para mim a data de validade desse queijo, que estou sem meus óculos.

 

Vinte pratos e vinte minutos depois, comecei a estranhar. Tia Flávia e tio Raul disseram alguma coisa? Eles sempre chegam cedo. Não sei de nada. Mas eles vêm? Claro que sim, até fiz o bolo que ela gosta pra sobremesa. E tem mousse de maracujá? Tem, tá no congelador.
Minha vó limpava a cozinha, ainda rejeitando minha participação. Quando você vai trazer sua namorada? Ainda tá muito no começo. E o que é que tem? Ah, vó, é estranho. Tem uma foto dela aí? Tô sem bateria.

 

Consultei o celular, já meio nervoso, e não havia nenhuma notificação. Até o grupo da família estava quieto. Minha vó, serena, checava a lasanha com ajuda da luz interna, mas nem precisava, sabia muito bem o ponto só com o nariz. Tá quase boa. Eu já estava faminto, podia ouvir o queijo borbulhar.

 

Quando ela abriu o forno para jogar a última porção de parmesão, começaram a telefonar para a casa. Estamos viajando e esquecemos de avisar, alguém foi pro hospital, um cano de casa furou, não vou porque soube que fulano vai, aniversário de casamento, estamos indo para a manifestação. Uma parte não deu o ar da graça. Ninguém mencionou o inventário do meu avô.

 

Vamos comer, já são três da tarde. Esquentamos a lasanha e nos sentamos. Com os próprios botões, falava mal da neta mais velha. Se quiser, tem Coca-Cola na geladeira. O cachorro latia alto no quintal. Ela saiu pela porta de trás segurando um prato com uma porção generosa da massa, mas o bicho não se aquietou. Voltou com uma mão escorando as costas. Aumente o volume, não dá pra ouvir.

 

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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