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À minha espreita

 

Por Flávio Ismerim

 

“Moço que estava de jaqueta jeans amarrada na cintura por cima de uma calça preta, de tênis preto com sola branca, 1,75 m, camisa cinza com âncoras desenhadas, cabelo liso, franja, chegou com dois amigos às 07h55 antes da aula de terça… Percebi que você ficou chateado com o atraso deles, mas ó, eu jamais deixaria você me esperando, viu? Uma pena eu não conseguir falar com você pessoalmente, já que você foi a única coisa na qual eu pensei enquanto observava seus 7 minutos de conversa com os amigos atrasados. ):

Deixou contato!”

 

Não vou mentir, adorei saber que eu alguém finalmente reparou em mim. Decidi buscar o perfil do autor desse spotted, mas o perfil não trazia nenhuma informação. Achei estranha essa descrição minuciosa, parece que ele sabia mais de mim do que eu mesmo. Mas relevei. Os spotteds funcionam assim, não?

Não se passou muito até que eu notasse uma mesma pessoa em todos os lugares. Um rapaz de altura mediana, cabelos pretos, o clássico camiseta e jeans. Eu o via sempre. Na saída das minhas aulas, na lanchonete onde passo meus intervalos, nas minhas idas ao semanais no supermercado, na estação de metrô próxima de casa, na porta do estágio.

Era o mesmo rosto. E sempre me olhando como se quisesse minha alma. Foi quando eu passei a não andar sozinho, foi quando eu deixei de sair à noite. Jamais repeti um só trajeto na tentativa de despistá-lo. Ele estava lá até nos meus atrasos e me arrepiava a espinha sentir que ele estaria ali para sempre.

Em um domingo, uma correspondência chegou para mim em casa. Além de me descrever tão bem quanto a postagem no facebook, ela falava sobre algo bonito e inalcançável. E usava metáforas belas como o voo de Ícaro, a conquista do espaço e as grandes navegações. Depois tentava me convencer de que o sentimento do autor estava além do controle humano, algo inerente a ele. Como se essa caçada absurda fosse nosso destino.

A cartinha trazia confrontos. Escrita por uma mão certamente doente, tinha como golpe final uma intimação. Ele dizia que essa seria a última tentativa de aproximação.

Eu nunca havia me sentido tão exposto, tão invadido. Eu percebi que ele controlava a minha vida de tantas maneiras… como se a vida já não fosse mais minha. Eu não determinava mais a minha rotina. Minhas escolhas não eram mais pautadas pela minha vontade e ali eu temi que aquilo nunca acabasse.

E assim ele sumiu tão de repente como surgiu. Será que arranjou outro alvo? Me alivia perceber que ele já não me acompanha mais em todos os momentos, e será que vou ter minha vida de volta daqui pra frente?

 

*Construído com base na vivência de Carolina Maran, estudante de publicidade e propaganda, e Bianca Kirklewski, estudante de jornalismo.

 

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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