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Até a última palavra

 

Por Helena Mega

 

Os homens dizem “ele Gocidi” e as mulheres “ele awii”.

Entre os kadiwéu, falantes da língua de mesmo nome, todos conseguem se entender, mas usam expressões diferentes de acordo com o gênero que o nascimento lhes atribuiu. Para nós, um “boa tarde” já bastaria.

Não é assim com todas as palavras, mas com um bom número delas.

O idioma kadiwéu pertence à mesma família linguística de outras línguas faladas por povos indígenas do Paraguai e do norte da Argentina, a Guaikuru. No Brasil, no entanto, é usado somente pelas 1.413 pessoas* que formam o povo kadiwéu, dividido em cinco aldeias pelo Mato Grosso do Sul.

A pedido dos índios, é em uma dessas aldeias que a mestre em Linguística Lilian Ayres está ensinando o português, um projeto para o seu doutorado. “Eles querem ter domínio da língua majoritária do país, pois consideram isso um poder para não serem enganados e saberem reivindicar seus direitos”, explica.

Antes desta nova fase, Ayres passou três anos fazendo visitas periódicas a eles, de no máximo uma semana, com a intenção de mapear as diferenças entre as falas feminina e masculina que existem por ali.

Apesar desse período de convivência, a comunicação com a tribo não é tão simples. “Fazer análise linguística não significa que você sairá falando o idioma. Eu não sei falar kadiwéu! E acho que dificilmente aprenderei sem morar com eles”, ela diz.

Mesmo para quem nasce na aldeia, o processo de aprendizado não é igual para todos. No caso das meninas, por exemplo, ele pode ser mais simples. Afinal, sob cuidado das mães, o primeiro contato das crianças pequenas com o kadiwéu acontece pela fala da mulher.

Dos meninos, espera-se que, ao crescerem, parem de reproduzir o vocabulário feminino com que estavam acostumados e passem a dominar o jeito que os homens falam.

Isso porque a diferença na fala dos homens e das mulheres pode surgir não apenas nas palavras, mas também na pronúncia de termos que são usados de forma igual por ambos. Portanto, mesmo quando um homem for reproduzir a fala de uma mulher, a variação entre os gêneros estará presente — e vice-versa.

Ainda assim, dentro da escola, os meninos e as meninas estudam juntos o kadiwéu e o português. Em alguns momentos, porém, os exercícios são aplicados de maneira separada, e a diferenciação de fala também ocorre nas perguntas e nas respostas que são direcionadas aos alunos.

Hoje, mais de 150 línguas maternas sobrevivem no Brasil dentro das 252 etnias que habitam o país, de acordo com o Instituto Socioambiental (ISA).

Já a estimativa da Unesco é de que a cada 14 dias um idioma seja extinto no mundo; muitos caindo para sempre no universo do desconhecido.

 

*Siasi/Sesai, 2014

 

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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