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Aos que me julgam arbitrário

 

Por Mariana Mallet

 

Eu, que me faço tão presente na vida de todos, sou acusado – injustamente – de passar por cima de sentimentos. Balela! Aliás, sempre me esforço para ser preciso. Ora, não é minha culpa se os outros têm diferentes percepções de mim. Eu não voo, não corro, mas também não espero, não paro: ando a passos certos e rítmicos.  

 

Encontro-me aqui de novo, numa daquelas situações que me acusam de não passar nunca. Ouço o barulho que o ponteiro faz através de uma máquina decrépita que chamam de relógio. Observo-lhes do alto de uma parede branca-amarelada, com sinais de infiltração. Ah, como a humanidade gosta de me culpar pelos próprios fantasmas. É tempo que não passa, tempo que voa, tempo demais, tempo de menos. Sempre tenho culpa no cartório!

 

 

Alguns olham constantemente para os pulsos – que mania eles têm de me medir – e aguardam por atendimento. Outros folheiam revistas que entulham a sala há uns dois anos e balançam uma das pernas freneticamente – a paciência é uma virtude.

 

 

No canto esquerdo, Érica segura o pequeno Cauã adormecido nos braços. Ainda consigo sentir seu desespero ao saber que seria mãe. Achava que era cedo demais. Mesmo assim foi firme, apesar de desejar que eu saltasse por esses nove meses. Se eu compartilhasse das reações humanas, diria que sorri ao ver a felicidade dela quando Cauã deu as caras ao mundo. Engraçado como a humanidade se contradiz: uma hora acha que andei devagar e, quando finalmente passo, diz que voei.

 

 

Observo Carlos, impaciente, preparando um copinho de café. Nesse caso assumo que fui cruel, mas não foi minha intenção. Foram oito anos esperando a chegada do Gabriel. Depois de muitas tentativas e algumas fertilizações in vitro, pude sentir sua frustração. Ora, não sou nenhum sádico, odeio os ver decepcionados. Contudo, digo que trouxe o Gabriel no tempo certo. Mas Carlos acredita que demorei uma eternidade, afinal, oito anos é uma vida! Ainda assim, me satisfaço só de lembrar da alegria com a chegada do tão esperado filho.

 

 

A Duda corre e pula no colo do pai, George. Que energia! Esse amor não precisou de mim para se firmar: foi à primeira vista. A espera por ela foi menor, mas George foi justo: diz que passei relativamente rápido. Oito meses na fila para a chegada da Duda foram esquecidos ao ver seus olhinhos vívidos nos braços de uma cuidadora. Já para ela, a espera foi de um ano e meio para seu grande encontro. Dizem que trabalho junto ao destino: estão corretos. Demorei um pouquinho para entregá-la para que não restassem dúvidas da gratidão e do amor que receberia.

 

 

Ah, a humanidade que ora me ama, ora me detesta. Caminho junto a eles desde sempre. E, às vezes, por estar tão presente, sinto-me quase humano. Alegria, medo, ansiedade, amor: me admira como os sentimentos oscilam tão rápido. Só de fazer parte de momentos como estes, até esqueço das injúrias que me fazem…

 

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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