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Quem vê Carla, não vê coração

 

Por Natalia Belizario

 

Quem vê Carla, não vê coração. Ela entrava todos os dias no escritório compenetrada, carregando a bolsa num braço e o respeito no outro. Eu, a estagiária, achava que ela era uma daquelas executivas estressadas, que não sabia o que era dar risada das coisas. Errei feio. Precisei pegar uma carona um dia e ela se ofereceu para me levar de volta ao escritório. No meio do caminho, tinha uma passeata na marginal Pinheiros pedindo intervenção militar. Ela deu uma risada alta dentro do carro e falou “não é possível”.
Quando entrevistei Carla, não dividíamos mais a mesa de trabalho. Ela foi demitida, junto com todas as diretorAs da agência de comunicação na qual eu ainda trabalho. Eu não estava lá no dia que ela recebeu a notícia, mas dizem que ela saiu chorando. Quem viu Carla, naquele dia, viu coração. Sua dedicação ao trabalho e seus 20 anos de experiência profissional aceleraram o relógio do desemprego. Depois de pouco tempo, ela encontrou um novo trabalho. Respondeu à minha entrevista entre uma reunião com cliente e outra. Carla não vive do passado: o maior orgulho de sua carreira é o momento atual. “E tudo o que eu fiz para chegar até aqui”, completa.
Apesar da imponência ou, quem sabe, por conta dela, Carla enfrentou o machismo no ambiente de trabalho. Ouviu que sua seriedade era motivada “por aqueles dias do mês”. Sua assertividade como diretora ganhou outro nome: agressividade. E na agência de comunicação, que adora usar termos em inglês, Carla era “bossy”¹. E como já diria Beyoncé: Carla não é mandona. Ela manda. Ainda assim, ganhou menos que homens que exerciam o mesmo cargo que ela. Acredita que isso aconteceu porque os homens de sua geração são melhores em negociar salários, por não terem medo de valorizar seus feitos. Já as mulheres foram criadas para serem modestas. O currículo de Carla não é, nem de longe, modesto: trabalhou nos maiores grupos de comunicação do país, atendeu contas de empresas mundialmente reconhecidas, como a Amazon, e ainda teve tempo para fazer mestrado e outras especializações.
Carla confessou, ao final de entrevista, o que gostaria de dizer para ela mesma no início da carreira: “Você vai passar por momentos desafiadores que te farão questionar todas as suas decisões. Mas são eles que te farão crescer como profissional e como ser humano”. Para sobreviver no mercado machista, Carla escondeu seu coração dos desafios profissionais. Mas sua dedicação pulsa, a todo tempo, ali dentro.

 

¹De acordo com o dicionário de Cambridge, “bossy” é uma pessoa que sempre diz aos outros o que fazer.

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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