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Superpoder urbano

 

Por clarousp

 

 

São Paulo, com todas as suas personagens, até que guarda cenas bastante mundanas. Nessa em particular, duas pessoas sentam próximas em uma sala e assistem a novela das sete na TV. Um senhor de idade e uma jovem adulta acompanham as figuras na telinha, não em um sofá, nem em uma sala, mas em cadeiras dobráveis em um pátio.

 

 

O jardineiro Valdemar tem 60 anos. Todo dia, pela manhã, ele junta suas ferramentas, compradas com o dinheirinho próprio, e sai para exercer seu ofício. É um faz-tudo: cava, planta, poda, aduba e dá até dicas de paisagismo, para quem quiser, onde der. Dentro de um mês, vai fazer cirurgia para retirar uma hérnia, mas, por ora, assiste à novela, apesar de gostar mais do telejornal. Antônia, a menina que assiste com ele, não é sua neta, filha ou qualquer coisa do tipo.

 

 

Ou melhor, a mulher, porque mesmo com cara de menina, ela já tem 22 anos. Idade suficiente (repete a si mesma) para não ficar sorvendo da pouca renda da avó aposentada, que tem dois outros netos para sustentar. Assim, ela veio do Ceará em 2015, buscar emprego por aqui. Passou um ano como caixa de mercado e ganhou o maior dinheiro de sua vida. Quando foi demitida, resolveu gastar tudo na terra natal, com os irmãos, para depois voltar a São Paulo, terra da oportunidade.

 

 

O pátio fica num albergue – oficialmente “Centro de Recolhida para Adultos” –, e não são só duas pessoas assistindo TV, são mais de 40. Valdemar e Antônia são moradores de rua, sem condições de manter uma casa. Ele tem um trabalho, mas, sem a estabilidade da carteira assinada, não quer passar o mês de convalescença da cirurgia sozinho. Ela foi chutada da casa de uma velha amiga que havia prometido ajudar, e, ao perceber que teria de viver em uma “casa de drogados”, passou a encarar a vida como um grande pesadelo.

 

 

Se a família liga, ela conta que está numa pensão, ganhando a vida. Não diz que está vendo TV junto ao jardineiro e outros tantos sujeitos, porque o motivo de estarem ali, compartilhando esse momento, é o mesmo que os separa da sociedade. Eles conseguem se tornar invisíveis, e não falamos de heróis da Marvel. Este é o tipo de invisibilidade sem qualquer vantagem social ou pessoal, imposta quando se é forçado para fora do sistema.

 

 

Oitenta pessoas podem dormir no albergue toda noite. Os que não cabem, acabam no meio da calçada, somente visíveis o suficiente para serem evitados pelos passantes. Estes também não vêem que, em 15 anos, a população da cidade cresceu 0,7%, e o número de pessoas em situação de rua, 2,57%. Em São Paulo, superpoderes são contagiantes.

 

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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