Para alguns, o rap brasileiro pode ser definido a partir da expressão periférica que luta contra lógicas de segregação. Para outros, trata-se apenas de um ritmo musical brasileiro com ascendência americana. O que se sabe, no entanto, é que o rap, também conhecido como hip hop, chega ao Brasil em meados dos anos 80 sem carregar o teor político que tem hoje.
Nascido no Bronx, condado de Nova Iorque, o que se conhece pelo símbolo das periferias brasileiras era muito diferente nas terras americanas do início da década de 70. Protagonizado por moradores da periferia nova iorquina, o termo RAP, que significa rhythm and poetry (ritmo e poesia), era organizado nas festas de Black Music por comunidades afro-americanas e caribenhas. De acordo com Ricardo Teperman, autor do livro Se liga no Som – As transformações do Rap no Brasil e com doutorado em Rinhas de MC’s, tais manifestações eram representadas pelos “elos mais fragilizados do sistema capitalista, aqueles marginalizados da riqueza”.
Ao chegar no Brasil, não foi diferente. As comunidades periféricas tomaram conta da cena do rap e, a partir daí, a dimensão política das letras começou a aparecer. Pioneiro no ativismo político musical, o Racionais MC’s estreou a tensão do rap com o mercado. De acordo com Teperman, o grupo liderado por Mano Brown aparece fora das instâncias hegemônicas da mídia, e se fortalece a partir do apoio comunitário. “Eles se consagraram com a ajuda da periferia, das rádios comunitárias e nos espaços de Black Music, o que faz com que hoje negociem convites de forma muito dura”, explica.
Por outro lado, novas gerações usam do caminho trilhado pelo maior grupo de rap brasileiro para aprofundar seu diálogo com a mídia e com o mercado. Quando Racionais completava aproximadamente 20 anos de carreira, Criolo e Emicida lançavam os discos que os levariam para a principal cena do rap nacional. O especialista explica que a diferença entre os três atualmente não está apenas na musicalidade, mas na forma que convivem com outros ritmos musicais.
Discussões sobre o rap como um participante ou não da Música Popular Brasileira (MPB) são determinantes para a forma que os novos nomes lidariam com a inserção no mercado. De acordo com o especialista, a entrada na cena MPB aumenta a visibilidade do gênero e dos artistas. “Criolo e Emicida são bons exemplos, pois eles não apenas querem fazer parte, mas tomam para si. Não podemos dizer que o rap sucumbe a MPB, mas sim que existe uma tentativa de fazer parte dele.”
A DJ C. Brazook, especializada em música brasileira, concorda que a entrada do rap na MPB é necessária. Para ela, somente com o aporte da mídia e do mercado será possível um ritmo periférico como o rap ter o alcance do grande centro ou ganhar notoriedade na cena musical nacional. “As pessoas pensam que a entrada do rap na grande mídia significa que ele ‘se vendeu’, mas não é por aí. MPB é música popular, e o rap é um dos grandes exemplos. Vende para caramba. Se não entrarmos no sistema, como que a gente o muda?”, questiona a DJ.
Para Teperman, o rap não se resume à politização que a população em geral dá a ele, mas os novos artistas seguem à cartilha política. “Olhamos para o rap como um gênero sempre conectado a este grito de resistência, mas isso é uma construção. A dimensão crítica não está inerente ao gênero, foi algo construído e pode ruir.”