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Memórias de uma velha tartaruga

 

Por Marcos Pomar

 

Olá. Meu nome é George e eu sou o último membro da minha espécie ainda a habitar o planeta. Tenho 112 anos, e com esses olhos de tartaruga já vi muita coisa.

Quando mãe tartaruga me deu à luz, ainda havia muitos de nós, os Chelonoidis abingdonii, mas isso mudou muito. Os humanos que chegaram às ilhas Galápagos — primeiro os pescadores, depois os cientistas, como aquele tal de Darwin — vieram a achar nossa carne muito macia, esse foi nosso azar. Sempre levamos a vida em paz, devagar, e isso também deixou as coisas mais fáceis pra eles na hora de nos capturar. Éramos muitos, e hoje somos muito poucos.

Mas agora não adianta chorar. A vida seguiu, apesar de ela já não fazer mais tanto sentido como antes. É muito difícil viver por conta própria, sabe? Sem ninguém com quem conversar, sem uma companheira ou uma prole pra chamar de sua.

Era 1971, e havia um americano que não estava metido e nem se interessava pela tal Guerra do Vietnã. Esse homem era Joseph Vagvolgyi. Como seus colegas biólogos, ele achava que os nossos haviam todos desaparecido, mas ainda restava a mim. Quando me encontrou, fui levado até um centro de pesquisa, e ali pude conviver com outros quelônios gigantes como eu. Bem, não era como se fossem da minha espécie, mas já era algo.

É engraçado. Os humanos que por tanto tempo nos devoraram, agora pareciam muito preocupados comigo, críticos à voracidade de seus antepassados, mas talvez já fosse tarde demais.

Como tentei explicar a eles várias vezes, minhas articulações já não são as mesmas, e meu sex appeal também não. Então quando trouxeram Lucy e Lupita da ilha de Volcano, demorou vários anos para acasalarmos. Quando isso finalmente aconteceu, os ovos que fizemos foram inférteis. Eu, que tenho 100 anos sobre o casco, sofri como se fosse uma tartaruga bebê.

Depois esqueci essas ideias malucas dos humanos de “perpetuar a minha espécie” e me dediquei a uma vida tranquila. Ouvia as notícias do mundo lá fora através de meu cuidador, o Seu Fausto, e pensava que afinal de contas o homem não tinha mudado tanto assim.

Era um belo dia de sol — 24 de junho de 2012, para ser preciso — e eu aquecia minhas rugas sobre as pedras. De repente me bateu vontade de beber água. Arrastava minhas grandes patas com calma, até aquela pequena fonte ladeada de pedras, quando minha visão ficou turva e eu senti meu corpo esmorecer, tombando no chão tranquilamente.

Aqui jaz George, o último dos quelônios gigantes da ilha de Pina (1900-2012)

 

Colaboraram:

Franco Souza, biólogo e professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS)

Fontes: Páginas online: http://bit.ly/2mpxT1H; https://glo.bo/2AH4ZfG; http://bit.ly/2iWMtJ8

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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