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Uma estrada proibida para chamar de sexualidade

 

Por Liz Dórea

 

Da soleira do primeiro beijo ao abismo do primeiro sexo, ninguém percorre a mesma estrada. Mas há uma encruzilhada que intercepta todas as rotas: o destino final. Mais cedo ou mais tarde, cada um acaba descobrindo como conduzir a própria travessia à autoconsciência. Eu sabia qual era a minha desde os sete. Mas me neguei a acreditar nela. Errada, absurda, imoral, proibida. Diante de minha sina, paralisei. De medo, fugi ao mapa. E, por anos a fio, fui sendo qualquer coisa que não eu.

 

 

Há quem se dê ligeiro com as máscaras e consiga gastar a vida inteira sem se importar com sua estranha aderência na carne. Mas hora vem em que elas inevitavelmente arrebentam. Até porque é impossível mentir para si mesmo. E só eu sei o quanto tentei. O quanto pelejei para me inventar noutra. Noutra que coubesse. Noutra que não perigasse, para existir, perder-se: dos amigos, da família, da vontade de viver. Mas o que suportei por teimosia, meu corpo negou. Travou, comprimiu, sangrou. Como dissesse, intransigente: “a mim não me engano e, da verdade, não abro. Nem que para isso eu lhe arrebente a bexiga e o peito. Lhe deixo as pernas para dar meia-volta.”

 

 

E dei.

 

 

Daria ainda se não quisesse. Surreal se não desse. Será justo me julgar por ter tentado? Fiz o que fiz para pertencer. Mas, não, alguma coisa sempre me faltaria. Alguma coisa sempre me doeria. Porque para caber, só se eu me arrancasse ainda mais pedaços. De fora e de dentro. Mas depois de tanto sangue já derramado, a ânsia de sobreviver dispara. Era então hora de resgatar a estrada proibida nos dutos secos de minha vagina. Como a própria sexualidade, pronunciada na resistência de meu corpo, o instinto pela vida é um dado biológico e age segundo sua própria autodeterminação. Por isso, não poderia jamais impedi-lo. Não importa o que fizesse. Na iminência de ser violentado, o instinto, em nome de meu direito primário de existir, proclama seu ultimato: autoconsciência ou morte.

 

 

Essa crônica foi produzida a partir de relatos de Vanessa R. e Melina M., além da colaboração do psicólogo e especialista em educação sexual, Paulo Rennes.

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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