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É só uma questão de sobrevivência

 

Por Ana Carolina Aires

 

Apresentação1

 

FOTO: LIZ DÓREA
COLABORAÇÃO:ADRIANA  DINAMARCO, mestre em Psicologia
Clínica pelo IP-USP, com atuaçãona área de psicanálise e psicologia psicossomática.

 

Despertador toca. Silencio por mais dez minutos. “É a última vez, na próxima levanto,
senão vou me atrasar de novo”, penso, como um alerta. Mentira. Silencio por mais duas
vezes antes de levantar. Atrasado.
Me olhando no espelho, percebo que estou péssimo. Olhos cansados. Pele pálida,
quase quebradiça. Dormi menos de quatro horas essa noite. “Tudo bem… Não preciso
de mais do que isso, preciso?”, indago sabendo a resposta, mas faço de conta que na
minha realidade ela é “não”. Tentando fugir dos pensamentos desastrosos a respeito de
como será meu dia, repito mentalmente e em looping que está tudo sob controle.

 

 

Flagrado. Me pego na mentira, segurando as pontas. Mentira. Mentira. Mentira. Mais
uma para suportar o dia. Enumero tarefas: prova, aula, serviço… Respiro fundo. “Eu até
que gosto do meu trabalho. Apesar de ser monótono e acabar com minha saúde
mental, eu sei que vou ser bem sucedido no final”, conto pra mim mesmo essa fábula
e a moral é sempre: tudo bem fingir que está tudo bem, porque aí até parece ficar.

 

 

Enquanto me dispo dentro do box do banheiro, me sinto vulnerável. Lavado de
todas as mentiras que conto para mim, pareço sumir. Me convenço que meu
namoro anda bem, mas no fundo sei que está mancando. Estou mentindo desde
janeiro dizendo que vou começar a realizar minha lista de promessas de
novo ano: já é quase maio e ainda não concretizei nenhuma.
Enumero todas as mentiras que conto para mim e percebo
que sou uma.

 

 

Relaxo, tranquilizado por mais uma. Os diálogos dentro da
minha própria cabeça são reconfortantes. Eu mando nesse
mundo. Me afago, coloco pra cima. Encho minha mente, minha
alma e meu corpo de mentiras porque sou real. Porque na vida
real, eu sofro, sinto, canso. Quando sou só eu, estou exausto
e ainda consigo me convencer a continuar. Convencer que vai
ser bom. Convencer que vai melhorar. Convencer que vou fazer
acontecer.

 

 

Mesmo que não seja. Não melhore. Não aconteça.

 

 

Minto para mim mais algumas vezes.

 

 

Para me sentir melhor. Para afogar
minhas próprias angústias. Para
aguentar o peso da realidade. É
questão de sobrevivência, sabe?

 

Minto. E até parece que está tudo

 

bem.

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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