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A falta que uma mentira faz

 

Por Tais Ilheu

 

TEXTO: TAÍS ILHÉU
FOTO: LIZ DÓREA

 

 

 

São quase sete da manhã e acordo abrindo preguiçosamente os portões, afinal o peso dos quase sessenta anos já começa a me rondar. Os dias agora são entediantemente parecidos. Por alguns segundos, chego a me animar com a fila que se forma até a porta dos meus elevadores, mas logo percebo que não são compradores, apenas os lojistas e funcionários dos andares superiores. Mal os conheço, mas não me culpo por isso. Ultimamente eles vêm e vão tão rápido que mal me acostumo com seus rostos, sotaques, idiomas. Hola, Adiós. Marhba, Wadaeaan. Ní hao, Zàijiàn.

 

 

Também não os culpo por irem. Até tento me enganar, mas meus corredores vazios e os funcionários ociosos entregam minha decadência, me fazendo lembrar que, outrora, já fui quiçá a maior feira de falsidades dessa cidade. Falsidade que abarrotava as lojas, me enchia de um calor alvoroçado e pagava as contas. Em tempos áureos, cheguei a faturar mais de 15 milhões por mês! Entre três CDs por R$10 e óculos Rayban por R$15, todos saíam ganhando. Mas então, as coisas começaram a ficar mais difíceis. Ouvia sirenes quase todos os dias.

 

 

Ao menos todos ainda me conheciam. “Isso aqui é a Galeria Pagé, tio, o coração de São Paulo”. Apesar das dificuldades, eu ainda era eu… “No tempo do comendador, mal abria já tinha uma multidão. Hoje, a maior crise do mundo é aqui dentro da Pagé”. Mas o comendador, que me criou e dá nome a minha rua, já se foi há muito tempo. Agora, passo de mão em mão. Entre as brigas de família, hoje já estou lá pela geração dos netos, embora ninguém saiba dizer ao certo quem são.

 

 

Sinto vontade de rir quando me lembro daquela reunião no último andar, o décimo quarto. Os herdeiros, um pessoal do governo, só gente importante. Vejam só, queriam transformar-me em um outlet. Bem ali, no meio dos camelôs, vizinho da 25 de março! Pena que as consequências dessa ideia estúpida recaiam muito mais sobre meus tijolos do que sobre seus bolsos. Do décimo terceiro para baixo todos parecem ter medo de falar sobre o que já fez de mim a maior de todas. “Os perfumes são todos originais. Só os relógios são réplicas…”. A maior galeria de todos os tempos, o mais fracassado outlet de todos, o coração de São Paulo… perdoe-me, esse silêncio quase me fez pegar no sono… ainda são só oito da manhã!

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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