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“De mentirinha”?

 

Por Laila Mouallem

 

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A gente não fala para as crianças que a única certeza da morte é a decomposição do corpo, a putrefação da carne. Viramos uma estrelinha. A gente não fala do sexo – o prazer, a penetração do pênis na vagina – como a origem dos bebês (planejada ou por acidente). Deixa com a cegonha. A gente não fala que o divórcio aconteceu porque os pais não estão mais apaixonados. “Você não
consegue entender isso ainda”.

 

 

A gente não fala: a gente mente. Mas antes de apontar dedos para os “mentirosos”, fica a ressalva: a mentira é própria de todos nós. Somos incapazes de usar nossa linguagem para comunicar exatamente as coisas como elas são. Tudo passa pelo crivo da nossa cultura e interpretação de mundo. E contar a realidade para os pequenos? Nada fácil. As narrativas construídas em torno deles contribuem para a elaboração de suas próprias visões – de si, do outro e da vida. Surpreender a criança na Páscoa com pegadas de coelho pela casa se encaixa na fantasia. Ou contar com o maior cofrinho do mundo: o da Fada do Dente. O “de mentirinha” parece banal, mas colabora com seu desenvolvimento psíquico e com a construção da sua subjetividade, estimulando a formulação de perguntas. A própria imaginação ajuda a criança a dar outros destinos para os acontecimentos da sua vida. Brincar de médico quando está em uma UTI, por exemplo, é inverter papéis – de passivo para ativo. É o modo que ela encontra para se apropriar daquele acontecimento doloroso e invasivo.

 
Só que nem tudo é fantasia. Em casos mais sérios, tentamos poupar o pequeno do sofrimento; mas ele percebe os fatos, mesmo não como um adulto. Não ter explicação abre brechas para hipóteses: “a culpa foi minha?” é uma delas. Os efeitos podem ser decisivos a longo prazo, levando a inseguranças, medo ou negação da realidade, por exemplo. Crianças são capazes de lidar com as contradições da vida. E precisam participar do que recai sobre elas de forma tranquila, dentro de possibilidades de entendimento, sem apelar para detalhes. Precisamos falar de modo que, em alguns anos, não seja necessário desmentir o que foi dito – apenas tornar a explicação mais próxima de sua maturidade.

 
Colaboraram: Patricia Bader, coordenadora do serviço de psicologia do Hospital São Luiz; Laercia Vasconcelos, professora de Psicologia da Universidade de Brasília; e Cynthia Wood, membro da Associação Brasileira de Psicopedagogia e psicóloga.

 

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O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

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