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Tutorial do falso eu

 

Por Joao Vitor Escovar

 

FOTO: LIZ DÓREA

 

 

Praça da Sé, pessoas com anúncios inusitados. A rota dos documentos falsos em São Paulo tem cenário e personagens bem definidos. Indicações de “compro ouro”, “exame toxicológico” e “foto 3X4” passam despercebidos pelos transe- untes, mas são chamarizes para contraventores e jornalistas curiosos. “Faz o erre?” é a pergunta que muda a feição do anunciante e nos conduz para um local mais discreto.

 

 

O “erre” faz referência ao RG falso, documento muito procurado por adolescentes que desejam se passar por maiores de idade. “É pra você mesmo? Tem os dados aí? Quatrocentos”. O preço é justifi-cado: papel-moeda – o mesmo do original – e perfurações mínimas que simulam o alto-relevo.

 

 

“Esse aqui só perito bom identifica. Sai em uma hora”. Poupa bem mais tempo do que o já eficiente serviço estadual. Bem diferente da identidade que o Alan fazia na escola, que custava 50 reais, era feito numa gráfica e demorava uns 15 dias.

 

 

“É pra mim sim. Queria alterar a idade. Mesma foto, mesmo nome”. Primeiro estranhamento: por que um “de maior” quer um documento adulterando só a idade? “Jogo no sub-20, mas já estourei. Vou entrar como gato”. Ufa, parece que passou, já que o olhar baixa. “Vamos lá fazer?” “Então, eu não trouxe o dinheiro, queria ver primeiro quanto era.” Segundo estranhamento: ou está completamente perdido naquele mundo ou não é bem-vindo.

 

 

A recusa do serviço instiga a aproximação de outros fornecedores com exames baratos. Concorrência? Cartel? Desconfiança? “Se tiver duzentos na mão dá pra gente fazer”. A célula do RG já tá pronta, só precisa dos dados e da foto. Se não tiver foto, dá pra tirar. Coloca a digital e esquenta a máquina. “Faz outros serviços também, diploma, estudante, casamento. Passaporte agora tá mais complicado.”

 

 

Depois do contato, eles continuam atrás, com medo de uma denúncia aos abundantes policiais da região. Dez minutos na espreita, alguns quarteirões sendo seguido, passando longe das viaturas. Já não tão católico quanto antes, ainda vale uma oração na imponente catedral. “O menino tá indeciso, com medo de fazer coisa errada. Tá até rezando.” Não dá pra ficar no ponto de ônibus. Corro até o metrô. Ainda tenho 20 anos e o mesmo nome.

 

 

De acordo com o artigo 297 do Código Penal, a falsificação de documentos tem como punição multa e reclusão de dois a seis anos. Nessa situação, os adolescentes talvez queiram declarar sua idade verdadeira.

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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