Pio rezou suas primeiras ave-marias e pai-nossos aos sete anos, em uma tentativa, desesperado para salvar a avó, que bem velhinha, havia de partir minutos após. Pegou raiva da ave-maria e começou a fazer sua própria oração. Em datas especiais, sempre dava certo e ele ganhava o brinquedo que queria. Até o momento em que o pai ficou desempregado e os presentes começaram a minguar.
No campeonato da escola, ganhou uma folha da sorte de um colega. Colocou na chuteira antes do jogo e fez um gol. Usou até a partida final, quando sua mãe resolveu limpar o calçado. Perdeu-se a folha. Pio fez dois gols e foi campeão
A mãe de Pio tentava de todo jeito conseguir um emprego para seu marido. Ia à missa, à taróloga e entregava currículos. Até que ele conseguiu um trabalho que pagava bem pouco. A família era grata por ter o que comer, só não sabia a quem agradecer.
Quando jovem descobriu que tudo isso era mentira. Pastor queria poder. Astrólogos eram charlatões. Gurus eram loucos. E todos encontravam multidões suficientemente ingênuas para lhes dar respaldo e dinheiro. Pessoas fracas e fúteis, que não conseguiam saber lidar com o desconhecido da morte e o vazio de sentido da vida. Pio não. Pio era inteligente e agora só iria ser guiado pela razão.
Se apaixonou. Pensava nela todos os dias, a toda hora. Mas era tímido. Não sabia conquistar, nem demonstrar interesse. Até que viu o anúncio que trazia a amada em apenas três dias. Os sentimentos e hormônios gritaram mais forte. Cumpriu o ritual à risca. No terceiro dia, ela beijou seu melhor amigo.
Desprezou o místico. Passou a acreditar apenas no que era real, como o trabalho duro. Seu túmulo era o único do cemitério sem nenhum símbolo. Morreu com a certeza de que as dores, os amores, as angústias e os êxtases que viveu não tinham nenhuma explicação. Um cético de grande fé.