Antes de polêmica, fazia barulho. Como bom instrumento musical que é. Tente ouvir seu baque africano: soa igual a um reco-reco. Depois, bote na boca e rache em duas: Ma-kômba. Ma-cumba. Minha cesta. Mas não qualquer uma. Pra virar presente de santo, é preciso que tenha qualquer coisa de mágica. Aí, pronto. Já se sabe quando o alvoroço começa. Acredite, faz tempo. Mas bote tempo nisso que esse furdunço é muito velho. Tá pra lá da Reforma Protestante. Desde que o Iluminismo, que torcia o nariz para tudo o que não era científico, cravou pés no velho continente. A fé cristã ocidental, por sua vez, impregnada por esse jeito euro- peu de ver mundo, tratou de julgar inferior todo sistema de crença que ousasse se meter com deus pela magia. Misture isso a um punhado de racismo e já se tem a receita do porquê tanta macumba, preta de nascença, é malquista nas encruzilhadas brasileiras.
Pobre balaio sagrado. Quantos espíritos positivistas lhe esbarram o caminho sem compreender o seu mistério? Quantos tão logo não o viram e, sem perguntar a que se destinava, amaldiçoaram-no? Na mais amena das hipóteses, foi reduzido a uma farsa de charlatão. No mais frequentes dos casos, suportou ser chamado de cria do demônio. E acabar chutado. Tantas vezes que, de tão calejado, talvez nem se espante mais. Se ao menos percebessem que entre o dendê de uma cesta mágica e a água benta de uma missa sacra há bem menos coisas do que supõe a nossa vã filosofia! Se ao menos soubessem que quem no chão deita um despacho, repleto de elemen- tos simbólicos, quer nada, senão alimentar os seus próprios deuses. Para que enfim estes, entre Exus e Oxuns que vagam sobre a terra como módulos de energia da natureza, sejam nutridos e, assim, possam devolver a oferta com prosperidade, saúde, paz, pureza de espírito, equilíbrio e axé. Axé: em idioma africano, força, energia vital. Em por- tuguês, também dá nome a um ritmo de música baiana. Macumba, afinal de contas, nunca se deu com o silêncio.
FOTO: CAMILLA FREITAS
COLABORARAM: RICARDO ARAGÃO, ANTROPÓLOGO E BABALORIXÁ; TATO MAIUOLO, BABALORIXA; RONILDA IYAKEMI, IALORIXÁ