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A dor do medo da dor

 

Por Tais Ilheu

 



Escuro. Despertou com as vozes ainda ecoando baixinho na cabeça. Dessa idade com medo de injeção? Ah, pare de frescura! Palavras doídas, mas nada que não viesse escutando há meses… nada que tanta gente não venha escutando há uma vida toda. Bom, pelo menos dessa vez acontecera entre quatro paredes — de uma sala desesperadamente branca e esterilizada, de arder os olhos, as narinas e a alma. Pelo menos desta vez, em alguma medida, já era esperado.

Pior quando a crise veio ao dobrar uma esquina. Despercebidamente cravou os olhos no brilho metálico, pontiagudo, no balcão do armarinho. Depois disso, as últimas lembranças são apenas sensações, o pensamento e a racionalidade se perderam em algum lugar na confusão. Quando acontece, apenas sente. Um turbilhão de efeitos mais doloridos que qualquer picadinha no braço — a angústia causando pontadas no peito, os pulmões comprimidos estancando a respiração, o tremor involuntário sacudindo ainda mais o corpo e a mente já em apuros. Pânico. Escuro.

Pior que a dor, o medo dela. Há quem tente racionalizar, prever o sofrimento ou a tragédia: a agulha que pode quebrar, a medicação que pode arder, a veia que pode estourar. Quando criança, depois de uma semana de choro, preparação e promessas de presentes, quando chegava a hora entrava às pressas. É só uma picadinha, uma menina desse tamanho com medo de injeção?

Sentia mais frio do que de fato fazia, talvez efeito das mangas arregaçadas deixando o braço exposto demais àquele ambiente gélido demais. Mãos brancas amarravam o elástico um pouco acima do cotovelo. Apertado demais! O frio agora estava por toda parte, tomava do coração ao estômago, enquanto o algodão molhado, prenúncio do agora já inevitável desfecho, preparava o terreno. Contendo o soluço que subia à garganta, fechava os olhos e agarrava as mãos da mãe. Você precisa relaxar o braço, senão é capaz de doer ainda mais! Se recusava a olhar, mas sentia a pressão da agulha que se aproximava antes mesmo desta lhe furar a pele. Queria acabar de uma vez com aquilo, acabar com a dor do medo da dor.

Parabéns, você foi muito corajosa! Viu só como foi rapidinho?

Agora, é diferente. A aicmofobia não obedece à lógica de gente grande não pode chorar. Não há sermão, não há olhar feio, não há constrangimento que a impeça de chegar e causar desordem, enquanto a figura da enfermeira com os dedos sobre os lábios, pregada à parede, sinaliza silêncio. Shhh. Em consultório, hospital, sociedade, que, eufemisticamente, se obstrui medo e silencia dor de criança, só resta aos crescidos intolerância. Às vezes, uma genuína incompreensão. Mas como é doída!


Colaboraram:
Giovanna Nogueira Pezzella Ferreira, aicmofóbica.
Talita Janjacomo, tem medo de injeções, principalmente intramusculares. Tem 10 tatuagens.
Victor Balestri, tem medo de agulhas em qualquer contexto médico. 7 tatuagens.
Marcelo Ilhéu Souza, 18 anos. Está superando o medo de agulhas.
Maria Eduarda Grisante, 5 anos. Tem medo de injeções.
Joice Alvarenga, mãe da Maria Eduarda.
Jéssica Domiciano, enfermeira
Leila Salomão de La Plata Cury Tardivo, psicóloga e professora no Instituto de Psicologia da USP.


Fotos: Claire Castelano

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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