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Mais uma vez, ela (não) bateu na porta…

 

Por Beatriz Arruda

 

Cólica frontal

Nada se compara ao nosso primeiro encontro. Você lembra? Sem aviso prévio, me pegou de surpresa. Mas também não foi como se eu nunca a tivesse visto. Recordava das visitas que fazia a minha mãe, que poderiam acontecer quando ela estava prestes a me ajudar com a lição de casa ou no meio de uma brincadeira. Mesmo assim, não estava preparada para ficar refém tão cedo. A verdade é que nenhuma de nós está. O desconhecido assusta uma garota de 11 anos que se vê com sangue entre as pernas e a dor pungente no ventre.

Naquela época, com a cabeça de menina, essa agonia na barriga não poderia ser normal e a razão para sua visita me parecia abstrata demais. Como assim meu corpo estava se preparando para um bebê e não deu certo? Como assim o útero estava se contorcendo para se livrar do meu sangue? Como isso poderia doer tanto? Tantas perguntas que tive que engolir! Fui avisada que seria assim, ciclo a ciclo, e que, como muitas que te recebiam, eu também aguentaria.

Desde então, mensalmente te espero por dois ou três dias e, felizmente, raras são às vezes em que você alonga sua estadia. Confesso que foi difícil aceitar sua intromissão e, mais ainda que eu teria que carregá-la comigo. Não fique chateada. Mas, no começo, faltava-me até coragem de encará-la de frente. Quando chegava, só conseguia pensar em me encolher em um monte dolorido e angustiado.

Sei que é esse seu jeito expansivo que faz com que eu me incomode tanto. Nunca se contenta em estar em um lugar só. Do centro, se irradia para as laterais do meu abdômen, chega nas costas e desce até o quadril, num vai e vem doído e esmagador. Não pense que só eu te acho inconveniente. Ás vezes, te observo de longe, se encontrando com minha amigas ou com minha irmã. Fico um pouco impressionada com como sua presença varia para cada uma de nós e também com como você já foi capaz de levar algumas delas ao hospital. Fico verdadeiramente feliz por não ser tão intensa comigo. Prejudicaria essa nossa relação que, hoje, posso dizer que é boa.

Cólica 2

Não minto que senti uma pontinha de inveja quando você se despediu de vez da minha mãe, que vi por alguns meses expressar um misto de alívio, pela dor nunca mais sentida, e angústia, pelo o que ela considera a chegada da velhice. Diferente dela, ainda tenho algumas décadas na sua companhia. Mas me acostumei e aprendi que, se eu não quiser, não preciso lidar com sua vinda. Acho que você também já se tocou que, quando está insuportável, não penso duas vezes em dar um basta e te fazer ir embora, seja com alguns comprimidos ou com uma bolsa de água bem quente. Isso não quer dizer que você sempre vai…

Depois de anos, já não a culpo e até a compreendo. Percebi que abraçá-la deixaria a situação menos penosa. E, hoje, já conformada com sua presença, nem sofro por antecipação. Todo mês, aguardo por sua hospedagem em meu corpo, que se assemelha à chegada daquela parente inconveniente, que surge sem convite, mas ainda assim é familiar e, uma hora, vai embora.

Fotos: Claire Castelano

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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