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Fanfics de representatividade

 

Por clarousp

 

Nunca imaginei que o Harry Potter poderia se apaixonar pelo Draco Malfoy. Foi um choque! Não me passava pela cabeça nem que relacionamentos gays eram uma opção. Nas fanfics, porém, isso se tornou possível.

 

Eu, como fã de Harry Potter, buscava nelas apenas finais alternativos para os livros. Mas, no fundo, elas permitiam que fãs criativos produzissem histórias de diversos assuntos usando ídolos como personagens. O cantor que nunca veio ao Brasil e aparece aqui. A seleção ganhando a Copa. Uma órfã com cicatriz na testa e que faz magia.

 

Ao encontrar fanfics LGBT, me identifiquei. Antes, nunca havia me sentido representado por casais héteros nas histórias e a falta de referência me causava dor e solidão. Após me reconhecer, descobri que havia pessoas que passavam e sentiam as mesmas coisas que eu. E que, embora eu soubesse que o final feliz não resumia tudo, ser gay não mais se limitava a preconceito, violência e morte, como antes via na TV.

 

Passei a ler ainda mais. Meus novos amigos compartilhavam comigo fanfics sobre aceitação e privilégios dentro do meio LGBT. Nas palavras e com eles, encontrei esperança em meio à depressão.

 

Compreendi que a atração pelo mesmo sexo não era algo bizarro, como eu pensava aos 14, e me descobri sexualmente em plena adolescência. Nas fanfics, a criatividade surgia como meio de burlar o tabu e tive o primeiro contato com o sexo que eu viria a praticar. Com isso, parei de me sentir sujo. Estava pronto.

 

Após isso, foi fácil começar a escrever. Todas as reflexões e lutas internas, feitas à custa de lágrimas, ansiavam por virar palavras e poderiam ajudar outros jovens. Assim como me ajudaram ao contar para a minha família, já que para eles tudo era apenas uma fase. Cheguei a frequentar inclusive psicólogo da igreja. Mas ali, me lembrei dos sentimentos bons de quando lia. Só por isso consegui.

 

Aos poucos, apresentei essas histórias para meus pais. Mamãe mudou; meu pai, não. Ela queria entender como dois rapazes se apaixonavam e como sabiam que eram gays. “Me tornei mais humana”, ela diz. E não há como negar.

 

Afinal, fanfics não são apenas fugas da realidade. São armas e armaduras, com as quais eu sinto que existo e posso ser feliz. Assim como o Harry e o Draco.

 

 

Este texto foi construído a partir do relato de quinze leitores/escritores de fanfics; LGBT ou não. Colaboraram com a matéria: Ailton Gomes: psicólogo clínico na abordagem Gestalt-terapia e idealizador da Tons Psicologia LGBT+ (tonspsicologialgbt.com.br); Renato Kenji de Carvalho Doi: Psicólogo Clínico e pós-graduando em Psicologia Analítica.

 

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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