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Um esconderijo do eu

 

Por Raphael Concli

 

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Há quem acampe por dias em fila de shows ou se estapeie para pegar uma palheta de guitarra atirada à multidão. Outros tatuam a imagem dos ídolos nas costas e há quem até os persiga pelas ruas e conheça detalhes de suas vidas que os próprios nem sabem.

 

Talvez você já tenha visto comportamentos assim e até pensado “isso é doentio”. Mas qual é, afinal, o limite entre o saudável e o patológico na maneira de um fã lidar com seu objeto de desejo?

 

Em termos neurológicos, o que se passa no fã é muito parecido com estar apaixonado. Há um aumento do neurotransmissor dopamina no sistema nervoso, causando sensação de bem-estar. Ao mesmo tempo, ocorre uma queda de outro neurotransmissor, a serotonina, o que produz pensamentos obsessivos que estão por trás da idealização em relação ao que se admira, explica Thalita Nobre, professora da Unip e Unisantos e doutora em psicologia clínica pela PUC. Embora essas reações se deem com todos os apaixonados, os de perfil patológico não conseguem sair dessa condição.

 

Em situações assim, o ídolo torna-se um objeto distorcido na cabeça do fã, que lhe atribui características que não correspondem àquela pessoa de fato, afirma Bruno César Afonso, psicólogo clínico pela USP.  Quando essa idealização passa a interferir na adaptação de uma pessoa à vida social e às necessidades biológicas, há uma patologia em vista. É o caso de pessoas que deixam de lado suas relações sociais, sua sexualidade e obrigações como trabalho ou estudos para se dedicarem a acompanhar a vida de alguém que admiram.

 

Deve-se ter cuidado para não julgar o afeto alheio, pondera Bruno. Essa distorção é produzida pela estrutura psíquica do indivíduo na tentativa de lidar com um problema que as pessoas não percebem conscientemente, como uma frustração ou uma falta. O que pode, inclusive, ser benéfico.

 

É isso que ocorre em torno do revival de bandas dos anos 90 e 2000, como Rouge e Backstreet Boys, conta o psicólogo. Muita gente “apresentou um comportamento excessivo em relação a essas circunstâncias, deixando de trabalhar pra passar dois dias na fila do show e ficar na frente do palco”. O que este afeto revela é um desejo de volta no tempo. Viver esse retorno “aos bons tempos” por um momento é positivo. Ao fim do show, o presente retorna.

 

Em paralelo à idealização, há a identificação. Todos nós imitamos outros ao longo da vida; alguém que represente um modo de ser, agir e pensar. Isso é parte da construção da personalidade e até mesmo um sinal das necessidades do indivíduo. Mas há uma diferença entre imitar e querer ser a pessoa, pontua Thalita Nobre. O problema surge quando essa distinção se perde.

 

Ao lidar com pacientes em condições assim, Thalita conta que seu trabalho é trazer o sujeito à  realidade e desconstruir a idealização que faz de quem se deseja. Para isso, é preciso que o fã olhe para si e descubra suas próprias potencialidades. Quando a imagem do ídolo deixa de ser um esconderijo, o fã pode reencontrar a si mesmo.

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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