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“Não deixe a língua morrer, não deixe a língua acabar”

 

Por Pedro Vittorio e Thais Navarro

 

 

Todos os dias, Jacildo Ribeiro, 48, recebe os filhos em casa depois da escola. Ele os ajuda nas lições de casa — entre elas, o estudo do iatê. Trata-se da língua falada pela comunidade indígena dos Fulni-ô, da qual Jacildo, arte educador, faz parte. Localizada em Águas Belas, 270 quilômetros a sudoeste de Recife, Pernambuco, a comunidade indígena é uma das poucas do Nordeste que mantém sua língua viva.

 
A mais de 2500 quilômetros de Jacildo, em Serafina Corrêa, Rio Grande do Sul, Edgar Maróstica, 54, apresenta um programa de rádio aos domingos. Quem sintoniza ouve Edgar falar em talian — idioma nascido da mistura entre dialetos italianos e o português e que hoje possui 500 mil falantes estimados.

 
Para Jacildo e Edgar, a língua é bem mais que um conjunto de palavras. “O iatê representa nossa identidade”, diz Jacildo. O ensino do iatê prepara os Fulni-ô para seu ritual mais importante: o Ouricuri. De setembro a outubro a comunidade troca de aldeia para a prática — sobre a qual pouco se sabe, dado o sigilo mantido pelos Fulni-ô. “Durante o Ouricuri, falamos 90% em iatê. Sem isso, perdemos nosso ritual.”

 
“Uma história contada em talian tem outro sabor. A língua influi no nosso jeito de ser”, diz Edgar. Em 2014, o talian foi reconhecido como idioma co-oficial pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), ou seja, divide oficialidade com o português, mas a nível municipal.

 
Jacildo e Edgar lutam para manter suas línguas vivas. De acordo com dados da UNESCO de 2017, a cada 14 dias morre um idioma no mundo — hoje há 178 em risco só no Brasil. Quando acontece, o impacto é profundo: “Perder a própria língua faz muitos povos não serem mais considerados indígenas, por exemplo”, diz o linguista Thomas Finbow, da Universidade de São Paulo.

 
Há quem ajude não sendo das comunidades de falantes. Luís Ramos, engenheiro, é branco e filho de professores. Em 2015, criou o Dicionário Ilustrado Tupi Guarani, no qual reuniu verbetes de diversas línguas. Um dos motivos foi considerar superficial o ensino sobre povos indígenas nas escolas. “Temos que aprender a conviver com diferenças”, diz. “Por isso questões indígenas são tão importantes.”

 
O auxílio do governo também é bem vindo. Hoje o iatê e o talian são ensinados em algumas escolas públicas. “Isso ajuda a não perder a língua”, diz Jacildo. Há também o Prodoclin (Projeto de Documentação de Línguas Indígenas), em que trabalham linguistas e pesquisadores. Indígenas ou não, individuais ou coletivas, estas iniciativas vieram para ficar. É como diz Edgar: “Enquanto a gente tiver uma gota de sangue, vamos lutar para manter a língua viva”.

 

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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